Título: EUA querem ajuda do Brasil contra avanço da China
Autor: Oliveira, Eliane e Beck, Martha
Fonte: O Globo, 13/07/2007, Economia, p. 30

Parceria estratégica, diz secretário americano, incluiria setor tecnológico e luta por fim de barreiras comerciais. Mantega critica artificialidade do câmbio chinês.

BRASÍLIA. Preocupados com o avanço das importações de produtos e serviços asiáticos, os Estados Unidos querem reforçar a parceria com o Brasil nos campos comercial e tecnológico, para fazer frente especialmente à concorrência dos chineses. Essa mensagem em prol de uma aliança foi passada por altos funcionários do governo americano nos dois últimos dias, em encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Guido Mantega - que demonstrou concordar com a idéia, ao criticar ontem a política cambial da China, chamando-a de artificial -, e empresários brasileiros.

- Estamos vivendo em um mundo globalizado, em que competimos com a Ásia e a Índia. Precisamos tornar nossas economias mais fortes - afirmou o subsecretário para Assuntos Políticos do Departamento de Estado dos EUA, Nicholas Burns.

Na disputa por mercados no comércio global, destacou Burns, o Brasil teria muito a contribuir com os EUA em setores em que é bastante competitivo, como aviação, agricultura, construção civil e mineração. Ele acrescentou que essa aliança estratégica incluiria, ainda, a luta pelo fim das barreiras comerciais.

- O Brasil é o mais importante parceiro dos EUA na América do Sul. Os presidentes Lula e Bush (George W. Bush) estabeleceram uma grande união estratégica, e estamos aqui para ajudar a implementar essas iniciativas - afirmou Burns. - Não consigo pensar em algo mais promissor que a relação Brasil-EUA.

Em audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Mantega admitiu ter sido instigado pelo secretário do Tesouro dos EUA, em reunião na última quarta-feira, a tomar uma posição mais contundente em relação à China.

- A questão nos preocupa, porque não é só a valorização do real. Se outras economias praticam um câmbio artificial, aí ficamos em mais desvantagem. Certos países manipulam o câmbio para ganhar vantagem apenas pelo câmbio. Não é vantagem de produtividade, de eficiência ou de custo - afirmou o ministro.

Consulta brasileira na OMC "faz parte do jogo", diz Burns

Segundo Mantega, essa política prejudica os produtos brasileiros, já que eles perdem competitividade no mercado em relação aos da China. Esse problema agrava ainda mais a situação dos empresários nacionais, que já vêm registrando perdas pela excessiva valorização do real frente ao dólar.

O ministro confirmou que o Brasil vai se unir aos EUA para pressionar internacionalmente por mudanças no câmbio chinês. Mantega disse que o Brasil defenderá essa idéia no G-20 (grupo formado por países em desenvolvimento) e junto aos sócios do Fundo Monetário Internacional (FMI).

- O secretário do Tesouro, de certa forma, nos instigou, mas, como o Brasil também tem interesse nisso, vamos agir - afirmou Mantega, acrescentando que, sem o artifício cambial, os produtos chineses ficariam entre 30% e 40% mais caros que os brasileiros.

O ministro assegurou ainda que o Brasil não está sofrendo de "doença holandesa" - quando uma economia se beneficia do crescimento das commodities, enquanto passa por uma desindustrialização, uma referência ao que a Holanda enfrentou com relação ao gás natural nos anos 60.

- A indústria está crescendo (apesar do câmbio) - afirmou.

Mantega disse ainda que o BNDES ou o Tesouro poderão injetar recursos no Banco do Sul - instituição que está sendo discutida na América do Sul para fomentar o crescimento da região. Mas ele fez uma crítica indireta ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que defende sua utilização como alternativa ao FMI e ao Banco Mundial:

- O Banco do Sul não pode ser instrumento político de nenhum país.

O pedido de consulta feito pelo Brasil aos EUA sobre os subsídios agrícolas concedidos por aquele país aos produtores - primeiro passo para uma ação na Organização Mundial do Comércio (OMC) - foi minimizado por Burns e Thomas Shannon, secretário adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental. Para Shannon, o contencioso nada mais é do que uma forma de resolver problemas dentro das regras da OMC. Burns, por sua vez, afirmou que a briga, que também tem o Canadá como reclamante, "faz parte do jogo":

- Nossas disputas mais difíceis são com nossos melhores amigos no mundo: Canadá, França e Brasil.