Título: Construtoras se expandem fora do eixo Rio-SP
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 16/07/2007, Economia, p. 19

Oferta de crédito no país estimula setor imobiliário, que deve receber R$50 bi este ano e avança em cidades médias.

BRASÍLIA. A elevada oferta de crédito no país e a interiorização do setor produtivo criaram um novo mapa para a atuação de grandes construtoras e incorporadoras no país. Essas empresas estão se voltando agora para as cidades de médio porte, como Vitória, Goiânia, Ribeirão Preto e São José dos Campos, onde encontram espaço para a expansão dos negócios, pois há maior oferta de terrenos e demanda por novos imóveis. O aquecimento do mercado deve fazer com que o setor imobiliário receba uma injeção de recursos em torno de R$50 bilhões este ano.

- O que está acontecendo é uma situação nova no mercado brasileiro. Com essa abundância de crédito, o processo se inverteu. Antes, as empresas tinham negócios, mas não o capital. Agora, elas têm capital e precisam procurar lugares para onde ampliar seus negócios. Por isso, estão começando a ir para o interior - afirma Roberto de Souza, diretor da consultoria Centro de Tecnologia de Edificações (CTE).

Empresas preparam investimentos bilionários

Souza destaca que o novo mapa da construção civil segue também o movimento de interiorização visto em outras empresas, como as do setor de álcool e alimentos:

- As construtoras vão para onde existe mercado.

Esse é, por exemplo, o caso de Goiânia. Empresas do Sudeste, como Cyrela e Gafisa, estão buscando parcerias com construtoras locais para aproveitar o bom desempenho da economia local. Existem hoje em Goiás 70 projetos para a construção de novas usinas de álcool. Além disso, grandes empresas, como a Anglo American, preparam investimentos bilionários no estado.

- A construção civil se baseia no crescimento econômico, e isso está fazendo com que as construtoras busquem mais o mercado de Goiás - afirma o secretário de Indústria e Comércio do estado, Ridoval Chiareloto, lembrando que o movimento também aumentou a demanda por mão-de-obra para a construção civil local.

Outra novidade é que as construtoras estão oferecendo imóveis não apenas para as classes média e alta, mas também para a população de renda mais baixa, onde está a maior parte do déficit habitacional brasileiro, de quase oito milhões de unidades. Segundo o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Décio Tenerello, o volume de recursos destinados a financiamentos habitacionais cresceu 92% entre 2005 e 2006. Este ano, somente até maio, esse volume chegou a R$1,438 bilhão, um recorde para qualquer mês.

Tenerello destaca que as construtoras estão fazendo imóveis numa faixa de preços que varia entre R$70 mil e R$200 mil, que anteriormente era bem mais elevada. Essa tendência é confirmada pelo diretor de Novos Negócios da Cyrela, Antonio Guedes. Segundo o executivo, a empresa está capitalizada - em boa parte pela oferta de ações no mercado - e vem buscando expandir seus negócios não apenas em São Paulo e no Rio, mas também em outros oito estados, como Goiás e Rio Grande do Sul:

- A Cyrela também está diversificando seus produtos. Além dos imóveis de médio e alto padrão, a empresa está construindo imóveis numa faixa entre R$80 mil e R$140 mil, que são voltados para pessoas com uma renda entre R$1.800 e R$4 mil.

A entrada do setor da construção civil no mercado de capitais também é um movimento essencial para reforçar o caixa das empresas. Segundo os cálculos de Souza, do CTE, essa capitalização, que não existia até 2005, deve chegar a R$15 bilhões em 2007, sendo que 20 empresas já estão atuando nesse segmento. Somente a Cyrela fez emissões que somam R$1,1 bilhão nos últimos dois anos. No caso da Gafisa, esse volume foi de R$2 bilhões.

Somados a essas captações, estão ainda R$15 bilhões que os bancos devem aplicar no mercado com recursos da caderneta de poupança. Além disso, a Caixa Econômica Federal prevê aplicar R$17 bilhões no mercado este ano, contra R$14 bilhões em 2006.

Crédito imobiliário ainda tem muito a crescer

Segundo a superintendente nacional de Habitação da Caixa, Vera Viana, outros fatores que contribuem para o aquecimento do mercado imobiliário, especialmente junto à baixa renda, são a estabilidade econômica, que deixa a população mais segura para fazer dívidas, e a redução dos juros, que baixa o custo dos financiamentos.

- O cenário está mais favorável para que a população de menor renda compre a casa própria - diz Vera.

Mas, mesmo diante do cenário favorável, o crédito imobiliário no Brasil ainda tem muito a crescer. Ele representa hoje apenas 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). No México, esse percentual chega a 9%, enquanto no Chile é de 13%. De acordo com o secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Otavio Damaso, o aquecimento do mercado pode fazer com que o crédito imobiliário atinja entre 10% e 15% do PIB nos próximos anos.

- O emprego formal está em alta, há mais renda, mais estabilidade, e as empresas estão capitalizadas. Não há nenhum fator de preocupação no horizonte - disse ele.