Título: O pior apagão
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 21/07/2007, Opinião, p. 7

Lendo os jornais, assistindo ao noticiário, conversando com as pessoas na rua, percebemos que o povo brasileiro está muito preocupado. Ele sente que o rumo que estamos seguindo não é tranqüilo. Está inconformado com a lentidão, a confusão, a aparente desorganização do poder público para solucionar um grande conjunto de problemas.

No Brasil, convencionou-se chamar o colapso de serviços de apagão. O mais citado ultimamente é o apagão aéreo, o qual, na verdade, é mais que aéreo ou aeroportuário. A Aeronáutica de um país que tem um dos maiores espaços aéreos do mundo está abandonada, deixada de lado. Mas o apagão não afeta somente a Aeronáutica. As Forças Armadas brasileiras deixaram de receber os investimentos necessários para um país do tamanho do nosso. Há um apagão na defesa aérea; há um apagão na defesa nacional.

Mas esse é somente um dos apagões que afetam a vida do brasileiro. Há, pelo menos, mais um que nos afeta diariamente, e que está longe de ser solucionado: o apagão da segurança. O pior é que, absorvidos pelos fatos imediatos - assaltos, tiros, seqüestros, violência generalizada -, nós nos esquecemos dos riscos futuros. Ignoramos os apagões que nos aguardam adiante.

O desemprego, por exemplo, não é visto como um apagão futuro. Temos milhões de brasileiros sem perspectivas, milhões de jovens que nunca tiveram um emprego. Mas ninguém diz aonde vai um país cuja população vive sem a segurança de um emprego no futuro.

A Previdência também vive um apagão. Milhões de brasileiros deixam de pagar a Previdência por estarem no setor informal. Porém, a crise é muito maior. E ninguém pode garantir tranqüilidade aos empregados de hoje, ante o risco de um apagão previdenciário em alguns anos.

Enfrentamos um apagão gravíssimo de Ciência e Tecnologia. Nossa produção nessa área é ridícula se comparada com nosso potencial. E o pouco que temos se deve ao esforço das universidades públicas e dos centros de pesquisa, criados há muitos anos. A evolução da ciência não tem sido acompanhada por investimentos no setor. Estamos ficando para trás na produção de conhecimento, que é a base da economia do futuro. Entretanto, mesmo sabendo que o apagão de Ciência e Tecnologia logo será transformado em apagão econômico, ninguém faz nada para enfrentá-lo.

A existência de tantos apagões é o resultado de um apagão da ética. Parte dele, bastante evidente, está na corrupção e no fisiologismo que se instalaram no poder público, e que são amplamente criticados. Mas há uma parte invisível, que é a corrupção nas prioridades, na definição das ações públicas que fazem girar a engrenagem social. O apagão da ética nos impede de sofrer com a miséria que nos cerca, e nos torna tolerantes com a corrupção e a vergonha do analfabetismo, da exploração de crianças na rua, da atração dos jovens pelo crime.

Esses apagões poderiam ser enfrentados mais facilmente se o povo brasileiro soubesse a quem recorrer. Mas todos se perguntam quem trará, numa eleição futura, esperança para o Brasil. Isso nos leva ao pior dos apagões: o apagão da democracia, resultado, em grande parte, do enfraquecimento do Poder Legislativo.

O Congresso não consegue definir uma agenda para enfrentar os apagões. De 1985 até hoje, demos saltos imensos no campo da democratização. Mas, mesmo com democracia plena, do ponto de vista do funcionamento das instituições, ainda somos um país com uma minoria privilegiada e uma enorme massa pobre excluída. E, enquanto a agenda política estiver nas mãos da parcela rica, a democracia será incapaz de construir o Brasil que queremos.

Precisamos ouvir as reclamações do povo, para não termos de enfrentar a enorme raiva que está se criando. Temos que reagir à indignação geral, antes que ela se transforme em revolta, impossível de se administrar.

Devemos, acima de tudo, combater duramente o apagão da democracia. Ela não pode perder sua razão de ser, seu sentido, sua credibilidade. Pois quando a democracia sofre um apagão, uma crise profunda, corre o risco de se apagar também.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).