Título: Constituinte é a saída para a crise de confiança
Autor: Arruda, José Roberto
Fonte: O Globo, 27/07/2007, Opinião, p. 7

Já faz quase dez anos que tramita no Congresso Nacional o projeto de reforma política - talvez a mais importante das reformas constitucionais de que o Brasil necessita - e ela continua sem sair do lugar. Nas últimas semanas, deputados e senadores impuseram fragorosas derrotas às propostas de se instituir o financiamento público de campanha (em tese, uma vacina anticorrupção durante as disputas eleitorais) e as listas fechadas de candidatos (que, também em tese, eliminaria a infidelidade partidária e fortaleceria os partidos).

Agora, o prosseguimento da votação do projeto está adiado para o segundo semestre - e sabe Deus quando ela acontecerá, de fato.

Enquanto se procuram pretextos para justificar o injustificável, a desmoralização dos políticos e do próprio Congresso Nacional atinge níveis recordes, por força das denúncias de escândalos que se alternam quase toda semana nos jornais, rádios e TVs. Não há exagero algum em classificar como alarmante o descrédito da instituição legislativa, pilar do regime democrático.

O prejuízo para a estabilidade institucional é imenso e justifica fundados temores quanto ao futuro. Sabemos que a principal base da democracia é o apoio que lhe empresta a população, a crença da sociedade em que esse é o regime político capaz de garantir as liberdades individuais e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento social, econômico e político. Ainda estão recentes em nossa memória os episódios de proibição da livre manifestação do pensamento, as restrições indiscriminadas aos direitos dos cidadãos e o fechamento do Congresso Nacional promovidos pelo regime militar. Não podemos nos esquecer das lições da História, sob pena de sacrificarmos, mais uma vez, a liberdade no altar da leniência.

Enfrentamos hoje uma crise de confiança no sistema de representação política que somente poderá ser resolvida com uma profunda reforma em sua própria essência.

A verdade é que não podemos continuar a tapar o sol com a peneira. Dificilmente a reforma política será votada pelo Congresso Nacional, com a seriedade e a extensão exigidas, pela simples razão de que a esmagadora maioria dos senhores parlamentares, com as honrosas exceções de praxe, suspeita de que ela possa prejudicá-los.

É até compreensível que assim seja: a alteração das atuais regras - pelas quais todos os deputados e senadores foram eleitos - coloca em risco a reeleição de cada um deles, sem contar que ainda permanecem incertas as conseqüências político-institucionais de várias das medidas propostas, entre elas o voto distrital, o voto de legenda, as listas partidárias preordenadas, as coligações e as regras que coíbam as freqüentes mudanças de partido.

Que fazer diante desse quadro desanimador?

Tenho uma sugestão objetiva para que o país consiga escapar do círculo de giz do qual é, hoje, prisioneiro: que o tema seja decidido por uma Assembléia Constituinte exclusiva, convocada especificamente para esse fim.

Essa Constituinte reuniria no máximo 100 integrantes, que seriam eleitos pelo voto popular (como se fosse uma eleição para o Congresso Nacional), indicados como candidatos pelos partidos políticos. Sua missão seria, no prazo de um ano, redigir e votar uma reforma política profunda, capaz de equacionar todos os gargalos técnicos e morais que hoje comprometem a credibilidade das instituições democráticas e de oferecer respostas adequadas para tais problemas.

Os constituintes não estariam preocupados com seu futuro pessoal, pois todos seriam inelegíveis para qualquer cargo eletivo durante os próximos dez anos. Sem a perspectiva de disputa política pela frente, eles ficariam livres para pensar nas próximas gerações, não nas próximas eleições.

Já passa da hora de serem corrigidas as imperfeições do sistema de representação política e de se resgatar a dignidade do exercício do mandato público. Insistir em caminhos que já se mostraram inviáveis para a promoção dessa reforma indispensável representa a imobilidade, o que suscita riscos institucionais que não podemos continuar a correr.

Acredito que a Constituinte exclusiva pode ser essa resposta que o Brasil procura.

JOSÉ ROBERTO ARRUDA é governador do Distrito Federal.