Título: Temporão tem razão
Autor: Kelman, Jerson
Fonte: O Globo, 14/08/2007, Opinião, p. 7

O ministro da Saúde, José Temporão, tem defendido a tese de que o médico servidor público não deveria ter estabilidade no emprego. Defensor de mudança na gestão dos hospitais, o ministro entende que a estabilidade às vezes estimula a acomodação do profissional. Na qualidade de servidor público há mais de trinta anos, tendo ocupado cargos de direção tanto na administração pública estadual quanto federal, afirmo, como opinião pessoal e não necessariamente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que o ministro está certíssimo!

Atualmente os servidores públicos só podem ser contratados pelo Regime Jurídico Único (RJU) mesmo quando não exerçam funções típicas de Estado, em que a estabilidade é desejável. A boa notícia é que o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que cria a figura jurídica de fundação estatal. Caso aprovado, os servidores dessas fundações poderão ser contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A diferença, em relação ao que se pratica no setor privado, é que a seleção de profissionais será obrigatoriamente por concurso.

Esses dois sistemas (CLT e RJU) são bastante distintos. Segundo o economista Yoshiaki Nakano (jornal "Valor Econômico" de 21/11/06), o servidor público ganha um salário de uma vez e meia a duas vezes acima do empregado no setor privado com mesma idade, escolaridade, sexo, cor e região de trabalho. No cálculo, ele leva em consideração não apenas a remuneração presente, mas também os proventos futuros decorrentes da aposentadoria. Quem tem contrato RJU se aposenta praticamente com o mesmo rendimento que tinha na ativa e não pode ser despedido. A não ser, talvez, que cometa falta absurdamente grave. E ineficiência não é falta grave.

Não surpreende, portanto, que o sonho do brasileiro, principalmente dos jovens, é se tornar um servidor público. Primeiro ele se esforça para passar em algum concurso. Qualquer concurso. Na seqüência se dedica ao próximo concurso e, se passar, recebe remuneração plena enquanto estiver no curso preparatório. Nesse processo o servidor pode se tornar estável sem nunca ter concluído o estágio probatório, que se presta para avaliar sua aptidão para o exercício do cargo.

Esse "pular de galho em galho" dentro da administração pública é estimulado pela variabilidade da remuneração entre carreiras assemelhadas. É um processo autofágico, no qual leva vantagem não a repartição que presta o serviço mais relevante para a população ou a que necessita de profissionais mais qualificados, e sim aquela cujo corpo funcional tiver conseguido, ao longo dos anos, maiores vantagens para sua categoria. Essa alta rotatividade causa corrosão na memória institucional e é uma das causas da baixa eficácia da administração pública.

Há uma questão correlata, ainda pendente de solução: a regulamentação do direito de greve no setor público. Na iniciativa privada, a greve é uma manifestação do conflito entre capital e trabalho. Se o trabalhador avançar demais, transforma o lucro em prejuízo, sepulta a viabilidade econômica do negócio e contribui para seu próprio desemprego. Já o servidor público às vezes se comporta como se o seu "empregador", isto é, o contribuinte, tivesse capacidade infinita de atender a novos reclamos, sem perceber que se avançar demais poderá comprometer a viabilidade econômica do país. E sem desenvolvimento não há como criar empregos e resgatar da pobreza um largo contingente de brasileiros.

A clara identificação de "onde é possível retirar recursos" deveria ser um pré-requisito ético de qualquer movimento grevista por aumento salarial no setor público. Diminuir o montante destinado a escolas, hospitais, estradas, ou a quê?

Como dificilmente os paladinos dos servidores públicos concordariam com o encolhimento de quaisquer dessas verbas, a simples formulação da pergunta talvez induza o aumento da produtividade na prestação do serviço público. Significa fazer mais com menos. Aí sim, ganharíamos todos. A população, por receber um melhor serviço. E os servidores, uma melhor remuneração.

JERSON KELMAN é diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).