Título: Democracia
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 05/10/2008, Opinião, p. 7

Neste dia, 127 milhões de cidadãos brasileiros repetirão algo que representa a dimensão mais significativa da identidade de uma nação. Eles elegerão seus governantes num pleito livre, consolidando aquilo que Churchill denominava de o pior regime político à exceção de todos os outros: a democracia. Desta vez, entretanto, os eleitores votarão em um país bastante distinto daquele que tivemos nas décadas da inflação combinada com ausência de crescimento.

Naquela época, que parece tão distante, vivíamos momento muito difícil, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Nossa economia, então muito vulnerável às turbulências externas, sofria com seguidos ataques especulativos. A inflação, sem controle, atingia principalmente os mais necessitados. O desemprego e a informalidade aumentavam, bem como a desigualdade entre ricos e pobres. Atravessávamos período marcado pela incerteza e o pessimismo.

Na atual conjuntura, apesar da gravíssima crise do sistema financeiro norte-americano, o Brasil vive momento substancialmente melhor. A inflação diminuiu de 12,5% em 2002, para 4,46%, em 2007. Pela primeira vez em décadas estamos crescendo de forma sustentada. Há mais de quatro anos que a economia brasileira aumenta a uma taxa média de quase cinco por cento. Neste ano, mesmo com a forte turbulência internacional, deveremos ter desempenho semelhante. Temos reservas de mais de US$200 bilhões e o grau de investimento, que nos permitem enfrentar a crise mundial em situação bem mais sólida. A tutela do FMI é um constrangimento superado.

E agora, ao contrário do que aconteceu no passado, estamos crescendo distribuindo renda. Nos últimos cinco anos, cerca de 20 milhões de pessoas deixaram a pobreza em todo o Brasil, mais de um milhão só na cidade de São Paulo. A desigualdade social, que havia permanecido praticamente constante nos últimos 30 anos do século passado, diminuiu muito. Segundo a FGV, a classe média já é o nosso segmento social majoritário e, conforme a ONU, o país entrou no rol das nações com IDH alto. Geramos 10,5 milhões de empregos e, mediante programas sociais eficientes, estamos distribuindo oportunidades a milhões de excluídos.

Essa melhoria significativa no quadro socioeconômico tem implicações profundas em nossa democracia. O estado democrático está fundado nos direitos políticos, como o direito à associação, ao voto e à livre expressão. Porém, a democracia só consegue consolidar-se com a progressiva expansão dos direitos sociais e econômicos, como o direito à educação, à saúde, à remuneração digna e ao emprego.

É impossível conceber democracia estável e sólida num país com a maioria de sua população sem acesso a esses direitos. A exclusão socioeconômica gera cidadania de baixa densidade e população não apenas materialmente pobre, mas também juridicamente pobre, que não consegue fundamentar uma democracia forte. Ademais, desigualdades profundas produzem também instabilidade política.

Assim, esse progresso recente tende a fortalecer muito a jovem democracia brasileira. Evidentemente, ainda falta muito para que tenhamos um país justo e desenvolvido. Em especial nas grandes cidades, há desafios gigantescos a serem enfrentados, como o da segurança pública, o da educação, o do transporte e o da habitação, temas freqüentemente negligenciados por muitos governantes locais, que não acompanham o esforço nacional.

O essencial, porém, é que o Brasil está finalmente no rumo consistente do desenvolvimento sustentado com distribuição de renda e da consolidação de sua democracia. Na realidade, o país representa exceção num entorno regional conturbado. Muitas democracias da América do Sul ainda estão contaminadas pela doença do golpismo e do autoritarismo, que fragiliza as instituições democráticas, e pela enfermidade do populismo, que as corrompe. No Brasil, tudo indica que superamos essas patologias do sistema democrático. Daí a importância da liderança brasileira no Mercosul e na Unasul e a relevância estratégica de incluirmos todos os países nesses processos de integração, de forma a assegurarmos ambiente geopolítico estável.

O Brasil vive momento histórico muito positivo, que poderá consolidar-se e aprofundar-se, apesar da profunda crise financeira mundial, se mantivermos o rumo correto que adotamos. Esse momento é fruto, em boa parte, de políticas consistentes implementadas em âmbito federal. Mas, acima de tudo, vivemos tal momento graças a você, eleitor brasileiro, que, com o gesto singelo de votar, torna a nossa democracia forte e irreversível.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).

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