Título: Ricos e emergentes abrem cofre
Autor: Duarte, Patrícia; D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 10/11/2008, Economia, p. 16

G-20 defende mais gastos públicos para enfrentar crise. Mantega admite política fiscal mais flexível.

No dia em que a China anunciou um pacote de US$586 bilhões para sustentar a expansão de sua economia, o G-20 - grupo que reúne os principais países industrializados e emergentes do mundo - encerrou ontem seu encontro no Brasil defendendo o uso de políticas fiscais mais flexíveis (ou seja, mais gastos públicos) para enfrentar a crise internacional e atenuar os efeitos da desaceleração econômica global. Apesar do discurso coeso, expresso num comunicado conjunto, nenhuma medida concreta foi tomada. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que presidiu o evento, chegou a indicar que, caso haja necessidade, o governo pode deixar de lado as metas fiscais no curto prazo para sustentar o crescimento do país.

- Por enquanto, no Brasil, nada muda em relação à questão fiscal. Mas, se necessário, se houver motivo, nós podemos usar mais o fiscal, fazendo mais investimentos do setor público - afirmou Mantega, ao fim do encontro ontem.

A meta para 2008 e 2009 de superávit primário, que é a economia para pagamento de juros feita pelo país, é de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de bens e serviços produzidos no país). O número corresponde à meta efetiva de 3,8% mais o esforço adicional de 0,5%. Recentemente, Mantega havia reiterado que o alvo não seria alterado em 2009, mas ontem mudou o tom. Ele argumentou que os desembolsos maiores dos governos neste momento de crise são fundamentais para garantir que a atividade econômica não desacelere muito.

Mantega defendeu ainda que, em termos nominais, o Brasil está muito melhor do que outras economias, como a dos Estados Unidos, com déficit esperado de 4,1% do PIB para este ano. No Brasil, a estimativa é de que o déficit nominal (receitas menos despesas e pagamentos de juros do setor público) fique em 1,65% em 2008.

- Nós temos a seguinte situação: a tendência de diminuição da atividade econômica (no mundo), que levará a uma diminuição da arrecadação fiscal, mas que terá como resposta um aumento da atividade fiscal dos países. Num primeiro momento, vários países terão uma situação fiscal piorada... Porém, é uma política de curto prazo, passageira.

Outros representantes dos países-membros do G-20 também defenderam uma ação fiscal maior. Mas a inflação também esteve em pauta no encontro. Para o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, a inflação é uma preocupação em toda a América Latina, inclusive no Brasil, e entende a prioridade que o Banco Central do Brasil dá ao assunto, referindo-se aos incansáveis alertas dados pelo presidente da instituição, Henrique Meirelles, de que o controle de preços é seu objetivo principal.

Inflação preocupa bancos centrais

Meirelles também participou dos dois dias de reuniões do G-20 e preferiu ouvir mais do que falar. Quando se manifestou, evitou entrar em confronto com os defensores dos maiores gastos fiscais. Ao gastarem mais, os governos estimulam o consumo e, conseqüentemente, pressionam os preços. Assim, força o BC a elevar a taxa básica de juros, hoje em 13,75% ao ano, para encarecer o crédito e segurar as compras.

- Cada governo tem de medir sua possibilidade de sustentar o crescimento e há uma variedade de parâmetros. Mas a preocupação com a inflação não deve desaparecer - disse Strauss-Kahn.

Mantega, de seu lado, insistiu que a tendência da inflação é de queda, mas reconheceu que os presidentes dos bancos centrais presentes ao encontro expressaram suas preocupações com o comportamento dos preços.

- Chegou-se à conclusão de que existe uma tendência para a queda de preços na maioria dos países. Portanto, o perigo maior é de uma deflação e não de uma inflação maior. É claro que os países emergentes, que estão sofrendo a privação de capitais, poderão ter um movimento inflacionário momentâneo, localizado, porque a desvalorização de suas moedas provoca essa pressão. Porém será um movimento passageiro e a tendência é que haja ao longo do tempo uma deflação - afirmou o ministro.

Além das ações fiscais, os membros do G-20 pediram em seu comunicado que os países desenvolvidos ampliem suas ações para normalizar a falta de liquidez nos seus mercados e, assim, estancar a saída de recursos dos países emergentes.

Em Roma para uma visita de quatro dias, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, defendeu ontem o aumento de investimentos nos países emergentes e ricos como saída para a crise. Dilma lembrou que crises passadas, como na Rússia ou no México, desencadeavam um problema fiscal nos países emergentes tornando-os "impotentes". Em vez de expandir suas economias, esses países, seguindo a receita do Fundo Monetário Internacional (FMI), faziam o contrário: cortavam fortemente investimentos. Hoje, diz ela, a situação se inverteu. Ela insistiu que o Brasil está com suas "finanças estruturadas e robustas" e já fez investimentos.

- Os países emergentes serão necessariamente parte da solução da crise - disse.

Dilma é parte da comitiva de seis ministros que acompanha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na visita. O presidente irá diretamente da Itália para a reunião dos chefes de estado e de governo do G-20 no dia 15, em Washington. Em Roma, vai discutir com autoridades italianas uma possível postura comum na reunião de Washington. Ele será recebido pelo primeiro-ministro, Silvio Berlusconi.

(*) Enviada especial

COLABOROU: Deborah Berlinck