Título: O Legislativo precisa se dar ao respeito para ser respeitado
Autor: Vasconcelos, Adriana; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 23/11/2008, O País, p. 4

Presidente do Senado afirma que devolução de MP foi "canhão" contra Executivo.

Eleito em meio a uma crise de credibilidade do Parlamento, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), parecia fadado a encerrar o mandato como um personagem bonachão, de fala mansa. Desgastou-se com colegas ao vetar o aumento da verba de gabinete dos senadores e ao aderir à cruzada do Supremo Tribunal Federal contra o nepotismo. Nas críticas ao excesso de MPs editadas pelo governo, ninguém acreditava que ele passasse do discurso à ação. Por isso a surpresa com a decisão de devolver para o Executivo a Medida Provisória 446, que prorroga certificados de entidades filantrópicas suspeitas de irregularidades. Deprimido num primeiro momento, temendo ser mal interpretado, Garibaldi passou ao alívio, ao ler e-mails e editoriais em seu apoio.

Adriana Vasconcelos e Maria Lima

O senhor esperava toda essa repercussão positiva quando tomou a decisão?

GARIBALDI ALVES: Não. Eu achei que já havia uma certa anestesia em relação a esse assunto, e não se tinha nem mesmo mais a capacidade de indignação que o problema merecia. Inclusive quando eu fazia os discursos e condenava o abuso das medidas provisórias, eu sentia isso. As pessoas me cumprimentavam, mas ninguém se comprometia a levar adiante.

Essa MP foi a gota d"água? Era indefensável?

GARIBALDI: Do jeito que estava era realmente indefensável. Mas essa decisão estava para acontecer. Claro que o clamor que se levantou contra a medida levou a essa reação.

O senhor acredita que o governo vai ter mais cuidado na hora de editar uma MP?

GARIBALDI: Acredito que sim. O próprio governo está mudando de medida provisória para projeto de lei. Acho que o governo vai ser mais cauteloso, porque sabe que o Senado pode se levantar, como se levantou.

O senhor teme alguma retaliação do presidente Lula? Dizem que ele ficou bem irritado e reclamou que o senhor nada avisou durante o almoço que tiveram no dia.

GARIBALDI: Ele não precisa ter essa queixa porque, quando estávamos no almoço e conversamos rapidamente sobre isso, eu ainda não estava decidido a devolver. Tanto que depois eu pedi a Gilberto Carvalho (chefe de gabinete de Lula) que levasse ao presidente a sugestão para que ele revogasse a medida. Se não quisesse ter nenhum entendimento com ele, eu não teria me dirigido ao Gilberto Carvalho. Acredito até que perdi uma boa oportunidade, mas o presidente da Coréia não ia entender nada se conversássemos durante o almoço sobre isso.

Esse episódio atrapalha sua relação com o presidente?

GARIBALDI: Não vai dar nem tempo. Só faltam dois meses praticamente para o fim do meu mandato. Agi no plano institucional. Não quero combater o governo dele, a não ser no plano institucional, das medidas provisórias. Não quero ser oposição por oposição.

O senhor acha que não foi levado a sério por causa do seu jeito calmo, bonachão? Acharam que não teria coragem de tomar essa decisão?

GARIBALDI: Não é uma questão do meu jeito, mas da crença de que o Legislativo não reagiria. Até porque o Executivo tem uma arma mortífera nas mãos, uma espécie de canhão: a medida provisória que entra em vigor imediatamente após sua edição. E o Legislativo vinha se defendendo com uma espingarda. Eu acabei trocando essa espingarda velha por um canhão, porque essa situação não podia continuar. O Senado precisa se conscientizar de que isso não pode ser um episódio isolado. Tem que continuar reagindo para recuperar sua autonomia.

Tem gente que considera que o Senado tem representatividade mais do que suficiente para se contrapor a decisões do presidente. O senhor concorda?

GARIBALDI: Nesse presidencialismo imperial ou metido a imperial que nós temos, parece até que o Legislativo não foi escolhido pelo povo. O Legislativo precisa se dar ao respeito para poder ser respeitado.

Está na hora de o Legislativo ficar de pé?

GARIBALDI: Sim. Está na hora de o Senado voltar a ficar de pé, de haver um reequilíbrio entre os Poderes. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um alerta agora sobre esse desequilíbrio, que estava permitindo que o Judiciário também se agigantasse. Qual a legitimidade do Judiciário para legislar sobre fidelidade partidária? Eu fico pensando: é quase como um padre celibatário querendo dar conselhos matrimoniais.

O senhor acha que se redimiu perante os que o acusavam de ficar só no discurso contra o excesso de MPs?

GARIBALDI: De certa forma, sim. Diziam que eu era capaz apenas de discursar, não acreditavam que eu seria capaz de medidas concretas. Diante do pouco tempo que tinha e do desafio tão grande, fico feliz de poder me despedir dessa maneira. Tomara que possamos continuar essa luta. Foi um gesto político na defesa do Legislativo.

Seu gesto pode ter reflexos na sua sucessão no comando do Senado e levar o presidente a entrar firme na campanha de Tião Viana (PT-AC)?

GARIBALDI: Não acredito. Essa é uma atitude que tomei por conta própria, por mais que tenha recebido o apoio de alguns peemedebistas.

Estão errados aqueles que enxergam na sua decisão um ato de rebelião do PMDB?

GARIBALDI: O PMDB não tem nada a ver com isso, embora eu ache até que o partido deveria pegar essa bandeira de valorização do Legislativo para si.

Qual sua aposta para a sua sucessão?

GARIBALDI: Hoje o PMDB tem mais chance. Tem mais votos e tem a maior bancada. Tião só terá chance se fizer acordo com o PMDB ou com a oposição toda.

Quais as chances de o PMDB abrir mão da disputa?

GARIBALDI: Só se prevalecer o acordo da Câmara: o PT apoiaria um candidato do PMDB lá, e o PMDB daqui apoiaria um petista para cá. Mas não sei, a essa altura, se esse acordo sensibilizaria o PMDB do Senado.

A bancada se reunirá na próxima semana num jantar na casa do senhor.

GARIBALDI: O tempo urge, a não ser que queiram deixar para a última hora.

oglobo.com.br/cultura