Título: Calote na integração
Autor: Aloizio Mercadante
Fonte: O Globo, 07/12/2008, Opinião, p. 7

Crises econômicas severas, como a atual, além de provocar recessão, podem também ter efeitos perversos no comércio mundial e na geopolítica internacional. Na crise de 1929, os EUA, numa tentativa fútil de proteger a sua economia, implantaram as tarifas Smoot-Hawley. Da noite para o dia, quadruplicaram as tarifas de importação de 3.200 produtos. As demais nações industrializadas responderam com iguais retaliações protecionistas. O resultado combinado da recessão com essa escalada protecionista foi a brutal contração do comércio entre as nações desenvolvidas, que diminuiu de US$18 bilhões, em 1929, para US$6 bilhões, em 1934. A recessão alastrou-se pelo mundo, intensificou-se e tornou-se duradoura.

Do ponto de vista geopolítico, a onda nacionalista que se seguiu enfraqueceu as instituições multilaterais, como a Liga das Nações, reverteu integrações econômicas regionais, e levou ao surgimento dos movimentos fascistas e nazistas que culminaram na deflagração da Segunda Guerra Mundial. O mundo desintegrou-se econômica e politicamente.

Essas lições da História tornam preocupante o nacionalismo que parece ter tomado conta de alguns países da América do Sul. A decisão do Equador, país duramente afetado pela crise, de questionar a dívida contraída junto ao BNDES em função de problema técnico numa obra da Odebrecht é exemplo de atitudes que podem comprometer o esforço pela integração da região e aprofundar a recessão.

Tal problema, que poderia ter sido resolvido com rápida negociação, foi politizado de forma inadequada. Considere-se que a Odebrecht estava há 23 anos no Equador, tendo lá realizado 9 grandes projetos sem questionamentos. Agregue-se que o empréstimo do BNDES foi concedido com base no Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Aladi, instrumento assinado em 1982, em plena crise da dívida, justamente para dar aos países da região um mecanismo financeiro que permite contornar a contração do crédito internacional e financiar o comércio regional e investimentos em infra-estrutura. Assim, ao questionar o empréstimo, o Equador não apenas atingiu interesses brasileiros, mas também esse sistema multilateral que financia obras vitais para a integração física da região. Se a Venezuela, que tem 82% dos débitos do CCR, trilhar o mesmo caminho, o sistema entrará em colapso e as obras ficarão paralisadas, numa conjuntura em que o crédito internacional, como na década de 80, volta a escassear. Saliente-se que o artigo 11 do Convênio determina que os débitos contraídos pelos bancos centrais através do CCR são irrevogáveis.

No Paraguai, a campanha pela revisão do Tratado de Itaipu, obra que permitiu àquele país aumentar seu consumo de energia elétrica em 31 vezes, receber US$4,85 bilhões em dividendos, e acessar enorme volume de energia limpa e barata, é outra demonstração de atitude que pode ser danosa à integração. Nosso vizinho melhor faria se usasse a energia a que tem direito para desenvolver-se, ao invés de procurar vendê-la a terceiros, violando o tratado e retirando-a do Brasil, num momento em que o país ainda não tem condições de a ela renunciar.

Temos de seguir o exemplo da Europa, que aprendeu as duras lições da História. Lá, a resposta à recessão vem sendo o aprofundamento da integração e políticas anticíclicas convergentes. Dinamarca, Islândia e a própria Grã-Bretanha já pensam em ingressar na zona do euro. No Parlamento do Mercosul, apresentei proposta de políticas coordenadas para a aceleração da integração e o combate conjunto à crise e às assimetrias do bloco.

Esse é o único caminho que evitaria uma recessão profunda e nos colocaria em situação vantajosa no cenário mundial pós-crise. Já a opção pelo nacionalismo isolacionista representa um calote no processo de integração do Mercosul e da Unasul. Mais do que isso: significa extinguir a possibilidade histórica de nos tornarmos, em conjunto, países prósperos e justos.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).