Título: Inquérito apura rede de nepotismo no ES
Autor: Dalvi, Bruno
Fonte: O Globo, 15/12/2008, O País, p. 4

Presidente do Tribunal de Justiça, preso por fraude, e mais 16 desembargadores empregam parentes no Judiciário.

VITÓRIA. As investigações sobre a suposta venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ/ES) trouxeram à tona evidências de nepotismo no Judiciário capixaba, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público Federal e a Polícia Federal no inquérito, ao qual O GLOBO teve acesso. As investigações do esquema de corrupção apontam que o TJ/ES foi usado para negócios em família e entre amigos. Além do presidente do TJ, desembargador Frederico Guilherme Pimentel, pelo menos 16 desembargadores empregaram parentes no Judiciário capixaba.

Durante a Operação Naufrágio, que prendeu na semana passada o presidente do TJ, Frederico Pimentel, e outras seis pessoas ligadas à cúpula do Judiciário estadual, o STJ concluiu que "no curso da investigação surgiram evidências de nepotismo no Tribunal de Justiça, expediente que teria servido como elemento facilitador das ações delituosas dos investigados que, assim, poderiam contar com a colaboração de parentes e afins empregados em cargos estratégicos".

Nas investigações, o Ministério Público desenhou um organograma que mostra que as relações de parentesco na Justiça do Espírito Santo são grandes. O então presidente do TJ, desembargador Frederico Pimentel, seria um dos magistrados com o maior número de parentes empregados. Seriam pelo menos 17 pessoas em vários cargos da Justiça capixaba. Sobrinhos, genros, noras, quatro filhos e até a mulher, que é coordenadora da Associação Justiça Social.

"Ganância sem limites" dos parentes de Pimentel

Um dos filhos do desembargador é o juiz da Vara da Fazenda Pública de Cariacica, Frederico Luiz Schaider Pimentel, também preso semana passada. A mulher dele, segundo o organograma, também é juíza criminal de Vitória. Segundo as investigações, a mulher ainda teria primos e a irmã empregados no Judiciário. A irmã dela é Bárbara Sarcinelli, também presa pela PF e até então responsável pelo setor de distribuição de processos no TJ.

Além de Bárbara, do desembargador Frederico e do filho dele, foram detidos o desembargador Elpídio José Duque e o filho dele, o advogado Paulo José Duque; o desembargador Josenider Varejão Tavares e o advogado Pedro Celso Pereira.

No inquérito, o Ministério Público afirma: "A ganância dos familiares e agregados do presidente do tribunal para se locupletarem da coisa pública não conhece limites. Não seria exagero afirmar que, sem a presença do desembargador Frederico à frente do TJ, esta organização criminosa estaria praticamente condenada à ineficácia. Talvez a prática capitaneada pelo atual presidente do TJ/ES seja apenas a continuidade de um sistema em que desembargadores instrumentalizam filhos advogados e juízes para intermediarem suas decisões, porque em nenhum outro estado desembargadores se empenham tanto na aprovação de seus filhos em concursos da magistratura". Escutas revelam que houve manipulação de concursos

Escutas telefônicas feitas com autorização do STJ apontam diversas tentativas de manipulação de concursos públicos para juiz de Direito no estado. Numa dessas gravações, o desembargador Josenir Varejão teria dito, segundo a polícia: "Cada um quer... quer botar um troço diferente para beneficiar o parente dele". Para os investigadores, o desembargador fazia referência a mudanças nas regras de um concurso que ainda não foi realizado.

As mesmas escutas revelam outros trechos comprometedores. O juiz Frederico Luis Pimentel, por exemplo, reclamava da atuação do pai, que estava à frente do Tribunal de Justiça. "Ele tem que administrar agora para os juízes e para os parentes dele", teria tido o juiz, segundo o inquérito.

Pelo menos outros 16 desembargadores além de Pimentel teriam parentes empregados na Justiça capixaba. Segundo o Ministério Público Federal, o desembargador Josenir Varejão teria quatro parentes no Judiciário. Já o desembargador Elpídio José Duque teria dois filhos e uma sobrinha na Justiça. Foi na casa de Elpídio Duque que a Polícia Federal apreendeu, na Operação Naufrágio, quase R$500 mil em dinheiro vivo. Era tanto dinheiro que as notas cobriram uma cama de casal, conforme mostram fotos feitas pela PF.

O organograma do Ministério Público mostra ainda outros casos de parentes de desembargadores trabalhando na Justiça. Um ex-presidente do tribunal, por exemplo, teria pelo menos 12 parentes empregados, entre filho, mulher e sobrinhos. Um outro ex-presidente, segundo o organograma, teria pelo menos sete pessoas da família no Judiciário, entre esposa, sobrinho e filho. No inquérito sobre a venda de sentenças, o Ministério Público afirma que tantos parentes seriam importantes para ajudar no esquema de venda de sentenças em troca de propina.

Esquema se estendia à criação de cartórios

Segundo o Ministério Público Federal, o pagamento em dinheiro para que desembargadores avaliassem processos, favorecendo determinados grupos, era uma entre outras fontes de renda das pessoas envolvidas no esquema. Segundo os investigadores, a família do presidente do TJ/ES tinha interesse na criação de cartórios para lucrar ainda mais de maneira indevida. Um exemplo foi a criação do Cartório do 1º Ofício da cidade de Cariacica, na Grande Vitória.

(*) Especial para O GLOBO

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