Título: Fugindo das sapatadas
Autor:
Fonte: O Globo, 16/12/2008, O Mundo, p. 30

É estranho ver um jornalista agredir o entrevistado, mas, ao lançar seus dois sapatos no presidente George W. Bush, o iraquiano Muntazer al-Zaidi, da TV independente al-Baghdadia, deixou o profissionalismo de lado e refletiu o sentimento de ódio do mundo islâmico pelo presidente americano mais impopular da História. Bush, que costuma bradar insistentemente que libertou iraquianos do jugo de um ditador, recebeu como resposta uma sapatada e foi chamado de cachorro, dois dos maiores insultos da cultura muçulmana.

Os sapatos voadores em Bagdá representam o vácuo entre o que o presidente classifica de liberdade e o que os iraquianos acreditam ter recebido com a ocupação americana. Bush ainda repete que sua decisão de ir à guerra era o certo a fazer e está convencido de que a História reconhecerá o seu legado. Nas últimas semanas, ele vem dando sinais de pequenos arrependimentos. De expressões mal empregadas como ¿missão cumprida¿ para dar a guerra como terminada em 2003, ou ¿vivo ou morto¿ para pregar a captura de Bin Laden. Ou de ter acreditado na existência das armas de destruição em massa.

Nos EUA a primeira sapatada em Bush foi dada nas urnas, no dia 4 de novembro, com a eleição de Barack Obama. O temor agora é que nos 35 dias que lhe restam à frente da Casa Branca a onda dos sapatos voadores do Oriente Médio chegue ao país. Até lá, o presidente tem que se esquivar de 1,9 milhão de pessoas que perderam seus empregos em 2008, de 1,2 milhão de famílias que ficaram sem casa, e dos parentes de mais de cinco mil militares mortos nas duas guerras em que o país ainda está mergulhado.

SANDRA COHEN é jornalista