Título: Freio na expansão para o mundo
Autor: Carneiro, Lucciane
Fonte: O Globo, 22/12/2008, Economia, p. 21

Investimento brasileiro lá fora vai cair quase US$6 bi em 2009.

Do adiamento de projetos à suspensão de operações, passando por mudança de fontes de financiamento, as empresas brasileiras já começaram a adaptar suas estratégias de internacionalização para enfrentar a crise internacional. Dados do Banco Central (BC) mostram que o volume de investimentos brasileiros diretos no exterior desacelera, na comparação mensal, desde outubro. O número de fusões e aquisições no exterior caiu pela metade no quarto trimestre, frente a igual período de 2007, para oito operações, segundo pesquisa da KPMG. Com isso, a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transacionais e da Globalização (Sobeet) já estima que a aplicação de recursos de empresas brasileiras no exterior caia para cerca de US$13 bilhões em 2009. Em relação aos US$18,8 bilhões previstos para este ano, vai encolher quase US$6 bilhões.

De janeiro a novembro, foram aplicados US$17,309 bilhões em investimentos diretos de empresas brasileiras no exterior, frente a US$3,287 bilhões no mesmo período de 2007. Apenas em novembro deste ano, o valor investido foi de US$1,662 bilhão, ante US$2,439 bilhões em 2007.

- No acumulado do ano, temos crescimento, mas já há desaceleração na margem. A tendência é de redução de investimentos na expansão internacional a curto prazo. As empresas devem fazer uma parada estratégica. Mas o Brasil ainda está em estágio inicial de internacionalização, e a trajetória de alta a longo prazo deve ser mantida - afirma o presidente da Sobeet, Luís Afonso Lima.

Natura suspendeu entrada nos EUA

A Natura, um dos ícones de marcas brasileiras no exterior, suspendeu por período indeterminado sua entrada no mercado dos Estados Unidos, reduzindo com isso os investimentos em sua expansão internacional em 2008 de R$97 milhões para R$82 milhões. A empresa, no entanto, diz que sua estratégia de internacionalização não muda. O foco em acelerar o crescimento nos mercados da América Latina em que atua - Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela - será mantido, assim como a operação na França, com uma loja própria em Paris.

Alvaro Cyrino, pesquisador e professor da Fundação Dom Cabral, explica que a principal mudança é que os investimentos no exterior devem passar a ser movimentos pontuais, em vez de coletivos, como vinha ocorrendo em 2007 e 2008. Além disso, as empresas devem rever a forma de atuação no processo de expansão internacional.

- Para as empresas que estão em estágio mais avançado de internacionalização, não há caminho de volta. De maneira geral, no entanto, há uma revisão de prioridades. As empresas tendem a mudar suas estratégias. Algumas podem manter apenas os investimentos básicos para continuar operando, outras complementarão investimentos já iniciados. Os grandes investimentos em novos mercados ou em aquisições ficam adiados - diz.

A continuidade de investimento em um projeto já iniciado é a alternativa adotada pela fabricante de calçados Vulcabras/azaléia. No ano passado, o grupo investiu US$60 milhões na aquisição de uma fábrica na Argentina e investirá outros US$6 milhões em 2009. O número de funcionários aumentará de três mil para cinco mil, e a produção vai quase dobrar, de 1,8 milhão de pares em 2008 para 3,3 milhões em 2009, com o objetivo de se tornar o maior fabricante de calçados na Argentina no próximo ano. A atuação com mais força em mercados além da Argentina, no entanto, não está nos planos de curto prazo.

- Os países emergentes não parecem que enfrentarão desaceleração tão forte quanto os países centrais, mas não se sabe a duração desta crise - diz o presidente da empresa, Milton Cardoso.

Já a Stefanini IT Solutions, empresa de tecnologia de informação, mudará a fonte de financiamento de seu projeto de ampliação de 20% para 50%, até 2012, da participação do mercado externo em sua receita. Com 21 escritórios no exterior, em 16 países, a empresa recorrerá a um aporte de recursos dos sócios para driblar a escassez de crédito.

- Já tínhamos suspendido a abertura de capital. Com o crédito mais difícil, vamos continuar investindo com o próprio fluxo de caixa e com algum recurso de sócios - afirma o presidente da empresa, Marco Stefanini, lembrando que a alta do dólar torna as aquisições mais caras, mas a crise reduz o preço de alguns ativos.

O sócio da KPMG responsável pela pesquisa de fusões e aquisições, Luís Motta, lembra que há oportunidades no exterior neste cenário conturbado, mas que a cautela é inevitável.

- Com a crise, o dólar está mais alto, há dúvidas sobre a demanda e os riscos aumentam. Devemos ter um 2009 complicado - aponta.

Com o impacto da crise, já a partir de setembro, o número de aquisições no exterior recuou de 66 em 2007 para 55 em 2008, segundo a KMPG.

Para o presidente da Trend Food - dona das redes de fast food China in Box e Gendai -, Robinson Shiba, a crise foi a gota d"água para a decisão de encerrar a parceria com sócios em três lojas que mantinha em Guadalajara, no México.

- O mercado no México está parado, pior do que no Brasil. A crise veio ratificar uma dificuldade que já vínhamos enfrentando por causa dos custos elevados de internacionalização - revela.