Título: Escolhas difíceis
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Globo, 21/12/2008, Opinião, p. 7

Há diferentes opções de política econômica para o Brasil diante dos impactos da crise financeira global. As respostas dadas pelo governo até aqui estão na direção certa: suprir linhas para comércio exterior, aumentar a liquidez do sistema financeiro e aprimorar os investimentos em infra-estrutura. O alongamento do prazo de recolhimento de tributos e a redução das alíquotas em alguns casos também colaboram com maior disponibilidade de capital de giro para as empresas.

Em certos setores - como a construção civil e o automobilístico -, o governo tem procurado agir de forma mais ampla, por tratar-se de segmentos quase que inteiramente dependentes de crédito, instrumento que sofre mais com a crise. No caso dos automóveis, o governo federal ofereceu mais R$4 bilhões em linhas de crédito (no que foi acompanhado pelo governo de São Paulo) e reduziu o IPI do setor, que já somava 300 mil veículos nos pátios.

O tempo vai mostrar tanto os efeitos como as limitações dessas iniciativas. Neste caso, a primeira quinzena de dezembro (antes da redução do IPI) mostrava uma retração de 3,6% nas vendas de veículos em relação ao mesmo período no mês anterior. Como a queda em outubro fora de 11% e de 26% em novembro, é provável que se consiga pelo menos atenuar o impacto da crise no setor.

Ao dirigir-se a prefeitos recentemente eleitos, o presidente Lula insistiu em outro ponto fundamental: a economia de recursos. Em períodos de retração como este, a contenção de despesas deve ser prioridade. Mas deve ocorrer sobre o custeio e não sobre o investimento.

Uma boa gestão dos recursos públicos, aumentando a vigilância sobre gastos evitáveis e fortalecendo os investimentos em infra-estrutura, traz um duplo benefício: melhora o desempenho econômico local e, ao mesmo tempo, o bem-estar das famílias, o que também ajuda a atenuar os efeitos da retração.

Investimentos em infra-estrutura ocorrem uma única vez, com benefícios sociais e econômicos de longa duração. Já os gastos com custeio elevam as obrigações fiscais de forma permanente, e os benefícios sociais e econômicos nem sempre são positivos. Longe de querer tratar bons serviços de saúde, educação e segurança como gastos negativos, mas quem conhece minimamente o serviço público sabe que há gorduras em todos os níveis da Federação. Por isso, trocar custeio por investimento é uma boa decisão para a administração pública, em todos os níveis, colaborar com os esforços contra os efeitos sociais da crise.

No setor privado, o capital de giro ainda é um fator de insegurança e deve ser acompanhado com atenção. O sistema financeiro nacional está mais demandado do que antes. Duas importantes fontes de recursos para as empresas - o mercado de capitais e as linhas externas - secaram quase que completamente. Isso gera uma enorme pressão adicional sobre o sistema de crédito em um momento em que ele está retraído.

O apoio dos bancos públicos será mais eficiente no auxílio à normalização do sistema do que para tentar substituí-lo. Novos mecanismos de incentivo à poupança de longo prazo, em detrimento da poupança de liquidez diária, também pode ajudar a estabilizar o mercado de crédito.

Há quem pergunte se o governo não estaria mais preocupado com as empresas e a economia do que com os trabalhadores. Mas é inegável que o meio mais eficaz de apoiar os trabalhadores é assegurar o bom funcionamento das empresas.

Diante da inevitabilidade de alguma desaceleração do crescimento, as escolhas de política econômica devem ser racionais e com pensamento de longo prazo. Agindo assim, ainda encontraremos espaços de estímulo tributário e de política monetária capazes de ajudar a economia a se ajustar e retomar um bom ritmo de crescimento.

Não há motivo para pânico ou desânimo. O Brasil pode atravessar a crise com serenidade, pois fez a lição de casa nos últimos anos. A hora é de trabalho duro e persistente.

ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.

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