Título: Saia justa
Autor:
Fonte: O Globo, 12/01/2009, Opinião, p. 6

Sociedades com profundas disparidades de renda, como a brasileira, requerem políticas públicas ativas destinadas a corrigir os desvios. As divergências são sobre quais políticas adotar e em que proporção. Este é um dos pontos centrais do debate sobre o Bolsa Família. É consensual a necessidade de alguma transferência direta de renda em casos muito específicos, sempre relacionada a contrapartidas do beneficiário, a não ser em exceções bem definidas (idosos inválidos, por exemplo).

Dentro dessa visão, foi criado o Bolsa Escola, mecanismo destinado a melhorar a renda das famílias mais pobres, enquanto elas eram incentivadas a manter filhos na escola e preservar a saúde, com visitas regulares a postos e hospitais públicos. No governo Lula, este e outros programas sociais foram reunidos sob o guarda-chuva do Bolsa Família, convertido rapidamente num instrumento bilionário de assistencialismo, para além dos limites do razoável. A medicação é correta, mas erraram na dose. Hoje, ele atende de forma direta e indireta cerca de 50 milhões de pessoas - o propalado número de miseráveis no país no qual o próprio candidato Lula dizia não confiar, como ficou registrado no documentário "Entreatos", filmado na campanha eleitoral vitoriosa de 2002.

O bom senso aconselha a criação de programas focados nos estratos mais vulneráveis da população - sempre como um trampolim para jogá-los de alguma forma na economia produtiva.

Informações para isso não faltam no IBGE. Por meio delas, é possível identificar com precisão os bolsões de miséria, para destinar a eles recursos, sem maiores riscos de desvios, como ocorre no Bolsa Família, convertido em um mastodôntico instrumento de distribuição de dinheiro do contribuinte. Mas como logo o governo provou do efeito eleitoreiro da criação desse imenso curral eleitoral, o Bolsa Família virou dogma. Fica mais visível o erro na abertura desse desmesurado guarda-chuva assistencialista quando o país enfrenta escassez de recursos, devido aos efeitos da crise, e necessita reforçar o apoio a áreas estratégicas, como a educação.