Título: Objetivo global
Autor: Abreu, Katia
Fonte: O Globo, 02/02/2009, Opinião, p. 7

Na qualidade de presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil não posso deixar de fazer alguns breves comentários sobre o recente encontro patrocinado em Madri pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, e o primeiro-ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero para debater o tema da segurança alimentar.

Moon e Zapatero declararam-se genuinamente chocados com as estatísticas da desnutrição no mundo. E conclamaram os países ricos a oferecer aos mais pobres uma ajuda decisiva para levá-los a aumentar a produção e o nível de produtividade no setor primário. Afinal, eles salientaram - e nós todos concordamos -, é fundamental a ativa participação de todos para que a primeira das Metas do Milênio - o fim da fome e da pobreza - seja alcançada o quanto antes.

O caminho proposto em Madri não é novo, já foi apresentado e reapresentado em muitas reuniões internacionais, mas sem sucesso, até hoje. A verdade é que se a questão do comércio não for levantada - e converter-se em ação decidida na esfera da rodada de Doha - terá sido esta mais uma oportunidade desperdiçada.

Deve-se louvar, de qualquer modo, a iniciativa do encontro, pois a Organização das Nações Unidas continua a ser o foro mais democrático e representativo de temas globais, como é o da segurança alimentar. Mas a meu ver, o que estão discutindo é muito pouco, muito tarde.

Há anos nossa diplomacia vem exigindo o aumento de recursos para o combate à fome e à desnutrição. Mas o que ocorreu entre 1980 e hoje? O volume de recursos destinados pelos países industrializados aos países mais atrasados, para a assistência ao desenvolvimento agrícola, caiu em quatro vezes.

Não é crível que os países desenvolvidos venham dizer que é agora, quando estão tendo suas economias destruídas pela crise gigantesca - que engole orçamentos e ameaça com gigantescos déficits - que aumentarão a ajuda ao desenvolvimento.

Em diversos encontros internacionais o Brasil tem insistido em que a crise mundial de alimentos não é uma mera consequência das dificuldades de produção, mas que está intimamente ligada a problemas como o do financiamento e da distribuição.

Temos dito e repetido, em todas as ocasiões, que é preciso se investir muito mais na infraestrutura dos países mais pobres e garantir-lhes maior acesso aos mercados mundiais. Temos dito, também, que é necessário evitar que produtos subsidiados de países ricos sejam lançados em condições de dumping em países em desenvolvimento.

No comércio internacional, são exatamente os países mais pobres que vêm sendo os mais pesadamente penalizados pelos subsídios e barreiras protecionistas que não só prejudicam suas exportações, mas, muitas vezes, seu próprio abastecimento interno.

Vale voltar a bater na mesma tecla: remover os entraves injustos ao comércio, sobretudo o de produtos agrícolas, é vital para o desenvolvimento, o combate à pobreza, a segurança alimentar e a inclusão social.

Não desprezamos as iniciativas tópicas, como elemento de ajuda aos países mais desfavorecidos. Tanto é assim, que a CNA em breve estará anunciando um programa de cooperação, para levar a experiência brasileira na agricultura e na pecuária aos países das regiões mais pobres do mundo, em particular a África subsaárica.

KÁTIA ABREU é senadora (DEM-TO) e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.