Título: Polícia suspeita de automutilação
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 14/02/2009, O País, p. 3

MISTÉRIO NA SUÍÇA

Laudo médico diz que brasileira que denunciou ter abortado após ataque não estava grávida

A polícia de Zurique praticamente desmontou ontem a versão da pernambucana Paula Oliveira, de 26 anos, que afirmou ter sido violentamente atacada por três neonazistas numa estação de trem na noite de segunda-feira, perto de Zurique, e depois ter abortado de gêmeos num banheiro público. A polícia diz que os primeiros resultados da investigação e os exames das marcas no corpo da brasileira podem indicar um caso de automutilação.

A revelação mais contundente foi feita pelo diretor do Instituto de Medicina Legal da Univerdade de Zurique, Walter Baer: Paula, segundo ele, não estava grávida de gêmeos no momento presumível do ataque, na noite de segunda-feira. A brasileira disse à polícia que abortou no banheiro próximo à estação de Stettbach depois de ter sido golpeada por chutes dos agressores.

Baer, frisando que dirige um instituto totalmente independente da polícia ou do governo, não descartou a hipótese de Paula ter estado grávida antes. Mas foi categórico em desqualificar a versão do aborto :

- Baseado nos exames, não houve gravidez no momento do suposto acontecimento.

Ele disse que os exames envolveram não apenas médicos do instituto como também ginecologistas do hospital de Zurique, onde Paula foi atendida e continuava ontem internada. Diante do primeiro resultado, os médicos fizeram uma segunda prova de laboratório, "que confirmou a inexistência de gravidez no momento do acontecimento".

Regiões sensíveis foram poupadas, diz polícia

O diretor do Instituto Médico Legal chamou atenção para outro "fator importante": a simetria dos cortes e o fato de Paula poder alcançar os locais dos ferimentos com as próprias mãos:

- O que foi constatado é que todas as feridas se encontram em regiões do corpo que a propria vítima alcança. O que também foi visto é que regiões mais sensíveis do corpo feminino, como mamas, foram poupadas - disse.

A revelação pelo médico legista de que "partes sensíveis" não foram cortadas é outro dado que se choca com a versão de Paula e da família. O pai de Paula, o advogado Paulo Oliveira, havia dito à imprensa brasileira que sua filha tinha cortes na vagina e nos seios. O pai passou o dia de ontem num quarto de hospital com a filha e não desceu para falar com a imprensa.

Mas ainda faltam vários detalhes a serem esclarecidos, como disse o especialista: por exemplo, se ela reagiu ou não ao ataque. O médico acha que, se ela tivesse reagido, os cortes não seriam tão retos e simétricos. A um grupo de jornalistas brasileiros, Baer fez o seguinte comentário sobre as feridas no corpo de Paula:

- Apenas pelas imagens, um médico com muita experiência confirmaria esta tese (da automutilação).

Segundo Baer, podem ser muitos os motivos que levam uma pessoa a se automutilar, como distúrbios da personalidade, patologias psiquiátricas ou atos para chamar atenção. Quando perguntado como isso poderia acontecer com uma pessoa aparentemente integrada na Suíça e funcionária de uma multinacional, ele disse:

- Isso naturalmente tem que ser examinado com muito zelo, sempre supondo que nossa hipótese se confirme. Existem casos de pessoas que ferem a si próprias para denunciar terem sido vítimas de uma agressão política. Existem modelos destes casos, que aconteceram com uma certa frequência.

Numa entrevista a um dos maiores jornais suíços, o "Tagesanzeiger", o médico disse que a atitude de Paula pode ser "uma forma de golpe". "Ela pode estar com um grande desejo de estar grávida. E faz tudo para chamar atenção", disse ele, segundo o jornal. O médico também chamou atenção para a natureza dos cortes: são feridas de caráter de arranhões, com algumas delas sangrentas, segundo ele:

- Todas as lesões são muito semelhantes, não são de muita gravidade. No nivel médico, não são muito graves. As feridas apresentavam simetrias, o que surpreendeu. Todas as feridas tinham uma natureza superficial.

Num auditório lotado por jornalistas, o chefe da polícia de Zurique, Philipp Hotzenkoecherle, entretanto, não fechou a porta para outras hipóteses, inclusive a de ela ter sido agredida:

- As investigações continuam sendo efetuadas com rigor e em todas as direções possiveis.

Segundo o chefe da polícia de Zurique, se ficar totalmente comprovado que a versão de Paula foi uma farsa, ela poderá ser julgada por falso testemunho e por enganar autoridades judiciais. Mas como autoflagelação não é um comportamento normal, a solução da Suíça não é prisão, mas sim tratamento psiquiátrico.

Paula foi interrogada anteontem e ontem, na presença da cônsul do Brasil em Zurique, a embaixadora Vitória Cleaver. A embaixadora não revelou detalhes do interrogatório, mas disse que a brasileira está "sob choque". A polícia diz que, para preservar Paula e garantir o andamento das investigações, também não vai revelar o conteúdo das investigações.

A polícia informou que, quando foi acionada, na segunda-feira, levou a brasileira imediatamente ao hospital, e que houve apenas "um breve interrogatório". O policial explicou que não quis divulgar o caso imediatamente, seguindo a norma do país de sigilo durante as investigações. Mas decidiu falar agora sobre o episódio, diante da enorme divulgação e repercussão internacional.

Um porta-voz do SVP (Partido do Povo Suíço), Alain Hauert, disse que, se for comprovado que houve um ataque, apesar do rumo das investigações, a polícia deve punir os responsáveis.

- Caso ela tenha feito em si mesma os ferimentos, e existe muita gente em várias regiões da Suíça que crê nessa possibilidade, o caso não nos diz respeito, estaria encerrado e não temos nada a dizer quanto a isso - afirmou.

Sobre a sigla SVP marcada em Paula, disse:

- Talvez o senhor deva perguntar a ela mesma se ela talvez faz parte de nosso partido.

Com agências internacionais