Título: O aço que vale 5 bilhões
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 15/02/2009, Economia, p. 31

CSA, do grupo alemão ThyssenKrupp, produzirá 1ª placa no Rio dia 15 de dezembro

No dia 15 de dezembro, se tudo continuar correndo bem, a nova Siderúrgica do Atlântico (ThyssenKrupp CSA) produzirá sua primeira placa de aço de um total de cinco milhões de toneladas previstas para o período de 12 meses. A enorme usina - cuja área equivale a duas vezes os bairros de Ipanema e Leblon juntos - está sendo montada a toque de caixa no distrito industrial de Santa Cruz (fim, ou começo, como preferirem, do município do Rio), e com uma participação inédita de centenas de trabalhadores chineses: no início de fevereiro, eram 520, para ser mais exato.

Os chineses estão montando a coqueria, onde o carvão mineral é "cozido" em fornos para perder impurezas e alguns componentes químicos. Nesse processo formam-se os blocos de coque, que depois serão queimados a quase dois mil graus nos dois altos fornos da siderúrgica para derreter o minério de ferro. O resultado é o gusa, que na etapa seguinte será transformado em placas de aço na futura aciaria.

A ThyssenKrupp é fornecedora de equipamentos para coquerias, mas, no caso da CSA, optou por fazer a encomenda ao grupo Citic, um dos maiores grupos empresariais da China (responsável pela construção do famoso estádio olímpico Ninho do Pássaro, em Pequim). E a razão é que os chineses, depois de montar cerca de 90% das novas coquerias que surgiram no mundo nas últimas décadas, passaram a dominar uma tecnologia inovadora nesse segmento, com reaproveitamento dos gases gerados na fabricação do coque e produtividade elevada.

Produtividade, aliás, foi o que motivou a ThyssenKrupp (conglomerado alemão que fatura 51,7 bilhões por ano) a investir mais de 5 bilhões (o equivalente a R$15 bilhões) no seu maior complexo siderúrgico fora da Alemanha.

- Na média da siderurgia mundial, produz-se mil toneladas de aço por 1,1 empregado. Na Alemanha, nosso índice é de 1,4, e aqui será de 0,7 - diz Erich Heine, sul-africano que desembarcou no Brasil há menos de um ano com a missão de concluir a CSA.

Trabalho para mais de 130 mil pessoas

Heine é da alta cúpula da divisão mundial de aço da ThyssenKrupp, e sob sua supervisão também está sendo construída no Alabama (Estados Unidos) a laminação que utilizará como matéria-prima três dos cinco milhões de toneladas anuais de placas oriundas de Santa Cruz (os outros dois milhões de toneladas irão para a Alemanha).

Dessa forma, o projeto da CSA buscou o mais avançado em equipamentos na siderurgia no planeta. Os chineses entraram com a coqueria, cujos fornos são erguidos artesanalmente, como um brinquedo de armar, tijolo por tijolo, fabricados na própria China e assentados com argila especial por operários vindos de lá. A China também é a fornecedora dos quatro guindastes descarregadores de carvão e embarcadores de aço. Mas a indústria brasileira não ficou de fora: R$2,5 bilhões em equipamentos foram encomendados no país. Somado aos serviços, o total de encomendas no Brasil chegará a R$7,84 bilhões, sendo que desse valor, até hoje, R$2,2 bilhões o foram no Estado do Rio de Janeiro (o que já superou o equivalente ao mínimo de US$500 milhões que a ThyssenKrupp havia se comprometido com as autoridades locais).

No canteiro de obras de Santa Cruz trabalham permanentemente mais de dez mil pessoas. Mas a montagem da usina chega a envolver diretamente 28 mil em momentos de pico - e outros 110 mil, indiretamente.

Os chineses se revezam, conforme evolui a construção da coqueria. O tempo de permanência no país vem variando de três a seis meses (técnicos mais gabaritados deverão permanecer por aqui até a indústria entrar em operação). Todos estão alojados no próprio canteiro, e é lá que também fazem suas refeições, fornecidas por uma empresa brasileira que recebeu orientação de nutricionistas chineses para que a alimentação se aproxime ao máximo da que eles estão habituados. Foi a maneira que a Citic encontrou para contornar a natural dificuldade de adaptação que os chineses teriam durante um período relativamente longo fora de casa.

Engarrafamento vira rotina na região

O trabalho dos operários chineses é complementado por 1.500 brasileiros da mineira Planar, empreiteira subcontratada. Mas há brasileiros sob ordens diretas da Citic, como Carla Campos, encarregada de fazer com que os operários chineses sigam as regras de segurança no trabalho aqui vigentes, e a engenheira Elaine Mazoni.

Diferentemente dos chineses, que quase nunca se afastam do perímetro da CSA, milhares de trabalhadores se deslocam todos os dias de áreas próximas até o local da obra. Por isso, as vias de acesso ao canteiro foram transformadas em uma saudável balbúrdia. Pelo trecho final na outrora pacata Avenida João XXIII (continuação da Avenida Brasil), em Santa Cruz, antes passava um ônibus a cada meia hora. Agora está sempre engarrafada nos horários de começo e encerramento de expediente.

O governo do estado promete restabelecer uma linha de trem de passageiros da estação de Santa Cruz ao centro de Itaguaí, cruzando o distrito industrial. O leito dessa linha, desativada há muitos anos, sofreu invasões em alguns pontos. Enquanto isso, os quilômetros iniciais da rodovia Rio-Santos viraram um transtorno para quem precisa percorrê-los, porque as obras de duplicação estão atrasadas. E o Arco Metropolitano, que interligará todas as rodovias federais com acesso ao Rio, ainda não começou efetivamente na região.

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