Título: Um substituto difícil de encontrar
Autor: Gois, Chico de; Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 11/05/2009, O País, p. 3

Deputados se recusam a aceitar relatoria ocupada por colega que se lixa para opinião pública.

Opresidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PR-BA), está com dificuldades para encontrar um parlamentar que aceite substituir Sérgio Moraes (PTB-RS) no cargo de relator do processo contra o ex-corregedor Edmar Moreira (sem partidoMG), o deputado do castelo. Araújo fracassou em pelo menos duas tentativas de nomear um substituto. Ninguém queria aceitar o abacaxi. Ontem, ele anunciou ter um candidato à vaga: Moreira Mendes (PPS-RO), deputado de Rondônia de primeiro mandato e de pouco trânsito na Casa. Mas o convite ainda não foi formalizado.

Pressionado por integrantes do Conselho e pela Mesa Diretora, Araújo se antecipou à reunião que estava marcada para ontem, e decidiu desfazer a comissão de três deputados encarregada do caso Edmar. Na prática, isso significa o afastamento de Moraes, que, semana passada, deu declarações simpáticas ao deputado do castelo e disse estar ¿se lixando¿ para a opinião pública.

Além de Moraes, fazem parte da comissão tripla os deputados Hugo Leal (PSC-RJ) e Ruy Pauletti (PSDBRS).

Nos últimos dias, os dois foram convidados a assumir a relatoria no lugar do colega, mas recusaram a espinhosa tarefa de julgar Edmar Moreira.

Moreira Mendes foi cauteloso ao comentar a possível indicação. Disse que ainda não havia conversado com Araújo e que, por isso, só falaria em tese. Para ele, a extinção da comissão tripla ¿é um bom começo¿.

¿ Se eu for convidado, não poderei fugir da responsabilidade ¿ disse, aparentemente pondo fim à busca da Câmara por um novo relator.

O problema é que Moraes avisou que não pretende facilitar a vida de quem pretende tirá-lo da relatoria. Ontem, após saber pela imprensa que seria destituído, se reuniu com advogados para traçar tática de resistência: ¿ Não vou abrir mão. Não dei voto antecipado. Não participo de acordão. Não pedi para entrar e não vou pedir para sair. Não arredo pé.

Moraes é acusado por colegas de praticamente proclamar a absolvição de Edmar Moreira, ao dizer que ele é ¿boi de piranha¿ e que outros deputados que cometeram abusos, como na farra de passagens aéreas a parentes, foram perdoados.

¿Não tenho medo nem do Papa¿

Ontem à tarde, Araújo até chegou a admitir a possibilidade de assumir a relatoria do caso pessoalmente, mas mudou de ideia horas depois, e encampou uma sugestão de Hugo Leal, que propôs o fim da comissão de três relatores.

¿ Vou dissolver a comissão e, com isso, Sérgio Moraes não será mais relator ¿ anunciou Araújo.

Moraes, no entanto, voltou a dizer que não se antecipou no seu julgamento, e acusou a presidência do Conselho de indicar assessores que o teriam aconselhado a redigir um parecer com base apenas na acusação da Corregedoria e na defesa de Edmar: ¿ Eu disse a eles (os assessores): ¿Não vou acatar essa sugestão e quero ouvir outras pessoas¿. Mesmo que tivesse dado meu parecer, o que não fiz, eu estaria orientado pela lei.

Ao seu estilo, Moraes voltou a rebater críticas e fez uma ameaça velada aos colegas: ¿ Este caso vai esquentar muito.

Se eles nunca pegaram uma parede pela frente, vão pegar agora. Não tenho medo da imprensa, não tenho medo de deputados, nem do Papa.

Tenho de julgar de acordo com a opinião pública ou com a lei? Se não estiverem de acordo com meu relatório, que votem contra.

Segundo o regimento do Conselho de Ética, cabe ao presidente designar relator substituto em caso de impedimento ou desistência do primeiro indicado.

A alegação para declarar o impedimento de Moraes seria que ele adiantou o voto antes de concluir o processo. Mas o presidente do Conselho espera resolver esse caso apenas com a dissolução da comissão de três relatores. A relatoria tripla é um modelo pouco usado, mas foi adotado para o polêmico caso de Edmar Moreira.

A deputada Solange Amaral (DEMRJ), que ameaçou renunciar à vaga no Conselho de Ética em protesto contra as declarações de Moraes, disse que a mudança de relator é necessária para a sobrevivência do órgão: ¿ Pelo que ouvimos, antes de qualquer apuração, ficou claro que o relatório dele viria cheio de vícios. A função do Conselho é defender a Câmara quando um de seus integrantes agride o decoro parlamentar. Se o órgão não fizer isso, perde a razão de existir.

Responsável pelo início das investigações sobre os gastos de Edmar, o corregedor da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), também elogiou a decisão de Araújo de substituir o relator: ¿ Moraes não tinha condição alguma de continuar na relatoria. Ele desprezou o trabalho da Corregedoria, que apontou fortes indícios de irregularidades nas notas fiscais.

Para ACM Neto, as investigações preliminares já reuniram indícios suficientes para um processo de cassação do mandato de Edmar: ¿ É preciso apurar se os serviços de segurança foram mesmo prestados e se as empresas, que estavam com as contas bloqueadas pela Justiça, poderiam emitir essas notas fiscais. Meu entendimento é que não podiam.

Integrante da bancada ruralista, Moreira Mendes nasceu em São Paulo, mas construiu a carreira política em Rondônia. Advogado e pecuarista, filiouse à Arena, partido de sustentação da ditadura militar. Depois, passou por PDT e PFL (atual DEM) até ingressar no PPS. Sem ter exercido qualquer cargo eletivo, herdou uma cadeira no Senado em 1999, como suplente do ex-governador José Bianco.

Em seu primeiro mandato como deputado, Mendes teve entre os maiores financiadores de campanha a Companhia Brasileira de Cartucho (CBC) e a fabricante de revólveres Taurus. Logo após se eleger, apresentou projeto estendendo às polícias estaduais o poder de conceder porte de arma, hoje exclusivo da Polícia Federal. Mendes apareceu no escândalo da farra das passagens por usar a cota aérea para viajar com mulher e filho para Miami.