Título: A crise das instituições
Autor: Casagrande, Renato
Fonte: O Globo, 16/05/2009, Opinião, p. 7

A nova complexidade da sociedade pautada pela diversidade, a revolução tecnológica e científica e o boom das comunicações revelam aos poderes constituídos a necessidade de uma postura que tenha na transparência o antídoto contra a descrença.

Pois se as denúncias envolvendo o Congresso Nacional podem, num primeiro momento, sugerir a falência do sistema representativo de poder, mais que isso elas afirmam a oportunidade de mudanças de postura.

À alternativa da execração em praça pública coloca-se a possibilidade de se rever o papel do Poder Legislativo, a fim de evitar a sua corrosão.

O desequilíbrio institucional estaria abrindo um flanco por onde Executivo e Judiciário avançariam sobre o campo das atribuições do Legislativo, colocando em xeque os princípios de Montesquieu, da repartição e do equilíbrio dos poderes.

Num certo sentido, o nosso sistema político se aproximaria do sistema americano, no qual a Suprema Corte exerce função normativa, dividindo atribuições com o Congresso americano.

Mas, como nem tudo que é bom para os irmãos do Norte é bom para os do Sul, é prudente aprofundar a discussão acerca do conceito de judicialização da política ou, como preferem outros, da politização da Justiça.

Trata-se de conceitos que já dividem opiniões. Para uns, nesse contexto o Judiciário seria hoje um instrumento de controle do Executivo e do Legislativo, sem ameaçar a democracia. Menos mal. Para outros, no entanto, a Justiça estaria concentrando atribuições e provocando o esvaziamento dos demais poderes, numa perigosa ameaça ao equilíbrio federativo.

Ainda que o princípio do ativismo jurídico seja uma tendência universal e que isso, em tese, não ameaça a democracia, ainda que a crise de identidade dos poderes seja passageira, o fato é que o Poder Legislativo precisa estar preparado para um eventual, digamos, processo de judicialização da política.

A primeira providência é tomar medidas corajosas para extirpar da vida pública, em particular do Congresso Nacional, práticas como patrimonialismo, clientelismo e nepotismo, que estão na raiz do subdesenvolvimento, cujo mal maior é a corrupção. Não se fortalece a República por outro caminho que não seja o da ética, da transparência e do respeito à coisa pública. Senado e Câmara devem iniciar essa renovação de costumes.

As reações internas à enxurrada de denúncias contra o Congresso Nacional têm sido tímidas, embora estejamos conscientes da verdadeira dimensão dos estragos que elas estão causando ao conceito de representação.

A cobrança da sociedade sobre a instituição é intensa e natural.

É bom que seja assim, pois nossa democracia já amadureceu o suficiente para que vivenciemos um processo de depuração interna corporis sem ceder ao espírito de corpo.

O Congresso Nacional não pode ser uma ação entre amigos que se locupletam.

Para se reinventar, o Poder Legislativo terá de se reciclar a partir dos princípios republicanos. Caso contrário, lhe sobrará o papel marginal na relação com as demais instituições, reduzindo a nada a sua representatividade.

Aí, sim, provocando um perigoso desequilíbrio entre os poderes.

Na crise surge a oportunidade de mudança.

Para Weber, ¿poder é toda chance, seja ela qual for, de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra a relutância dos outros¿. O Congresso Nacional, portanto, precisa ter a iniciativa de se recompor, se preservar e se reinventar, na busca da harmonia e do equilíbrio entre os poderes para o fortalecimento do estado democrático de direito.

RENATO CASAGRANDE é senador (PSB-ES).