Título: Uma tsunami na zona rural
Autor: Ribeiro, Efrém
Fonte: O Globo, 29/05/2009, O País, p. 3

TRAGÉDIA NO PIAUÍ

Barragem rompe, mata nove pessoas, deixa 19 desaparecidas e quatro mil desabrigadas

Efrém Ribeiro

Nove pessoas morreram e pelo menos 19 estão desaparecidas na zona rural de dois municípios do Piauí, Cocal e Buriti dos Lopes, após o rompimento do canal e de placas de contenção da Barragem Algodões I, em Cocal, a 230 quilômetros de Teresina, anteontem à tarde. O rompimento provocou a liberação imediata de 52 milhões de litros de água do Rio Pirangi, arrastando e destruindo cerca de 800 casas de oito comunidades rurais desses municípios. A área inundada alcançou mais de cem quilômetros de extensão. A tragédia só não foi maior porque, horas antes do desastre, os moradores receberam um aviso de que o acidente era iminente e, por conta própria, deram o alarme que possibilitou a fuga de boa parte dos moradores.

- Foi uma tsunami - afirmou o governador Wellington Dias (PT), depois de sobrevoar a área atingida. - Vi geladeira em cima de árvores, casas reviradas, telhados para baixo e paredes para cima. Animais, cavalos, galinhas, todos mortos. Uma cena terrível.

Segundo ele, toda a área próxima da barragem foi destruída: escolas, igrejas e prédios públicos. Moradores relataram que junto ao sangradouro da barragem a água chegou a 50 metros de altura. As ondas formadas lembraram um mar em dia de ressaca.

Há 15 dias, quando a represa atingiu seu nível máximo, o governo do Piauí tirou dez mil famílias do local que poderia ser inundado, mas na semana passada autorizou a volta das famílias. O Ministério Público anunciou que vai impetrar ações na Justiça responsabilizando o estado e a prefeitura de Cocal pela tragédia. Será pedida indenização pelas perdas dos moradores.

Águas a 60km/h reviraram túmulos

A tragédia atingiu com maior intensidade a cidade de Cocal, pois as águas já chegaram a Buriti dos Lopes com menor intensidade. O prefeito de Cocal, Fernando Sales de Sousa Filho (DEM), afirmou que as águas atingiram de velocidade de aproximadamente 60 quilômetros por hora nas localidades mais próximas da barragem, que fica numa serra.

Lucile Moura, diretora da Emgerpi (Empresa de Gestão de Recursos do Piauí), do governo do estado, que estava participando da coordenação das obras de reparação das placas de contenção da barragem, disse que nos cem quilômetros por onde as águas se espalharam foram destruídas 800 casas, deixando desabrigadas 4 mil pessoas. As pedras da barragem foram arremessadas a cinco quilômetros de distância. Ruas e pontes foram destruídas, animais arrastados e o cemitério teve os túmulos revirados. As árvores foram arrancadas pelos troncos. A energia elétrica foi cortada em Cocal. Já não existem mais escolas, lavouras, pastagens, postos de saúde. Apenas lama e destroços.

As águas bloquearam a rodovia BR-343, no trecho que liga Buriti dos Lopes e Parnaíba, e uma ponte na estrada caiu ontem à noite. O tráfego de caminhões, automóveis e ônibus está completamente paralisado. Parnaíba é a segunda maior cidade do Piauí, a 345 quilômetros de Teresina.

A busca e o resgate das mil famílias isoladas recomeça nesta manhã. Segundo o secretário de Segurança Pública, Robert Rios Magalhães, até as 18h tinham sido encontrados os corpos de Francisca Maria, de 10 anos; de um idoso de 74 anos; e de um menino de 6. O governador informou ainda a morte de Maria Alexandra, de 15, de uma idosa conhecida como Francisca, da filha dela, Taiana.

A professora Maria Jessilane contou que, junto com Francisca Maria e Maria Alexandra, uma irmã das duas, Andreína, de 13, também foi arrastada.

- As três ficaram gritando e pedindo socorro, mas ninguém podia ajudar por causa da força das águas. No final da tarde, as três continuavam agarradas em um cajueiro. Quando anoiteceu, ninguém mais as viu.

Felipe Braz, da Comissão de Defesa Civil de Cocal, disse que um menino de 4 anos morreu quando estava em um cajueiro arrastado pelas águas. Lucile Moura informou, no início da noite, que foi encontrado o corpo de uma senhora na localidade de Boina.

"Só tinha visto aquilo em filme"

Às 15h30m, o rompimento da barragem provocou um grande estrondo e os 52 milhões de litros de água começaram a descer a serra em direção às comunidades. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cocal, Manoel Leocádio Machado, disse que estava em uma caminhonete, levando a mulher e mais 20 pessoas para ver a reconstrução das placas de contenção da barragem, quando viu uma nuvem de água indo em sua direção.

- Foi impressionante. Eu já tinha visto aquilo em filme, mas nunca na realidade. As águas iam se avolumando de tal forma que parecia que ia pegar a gente. Todos ficaram apavorados e queriam abandonar o carro e subir na serra, mas eu consegui retornar a tempo - declarou Leocádio, que, como tinha um serviço de som no carro, passou a divulgar que a água estava se aproximando das casas. Assim, muitas famílias fugiram para áreas mais altas.

- Foi realmente uma tsunami. As águas atingiram 20 metros de altura e vinham como se fosse uma cachoeira deitada. Não consegui recuperar nada da casa onde moro com minha avó, de 60 anos - contou o lavrador Manoel Machado Filho, lembrando que as águas levaram cabras, gado e porcos.

O governo do Ceará enviou dois helicópteros e o de Minas Gerais, mais um para o resgate das famílias que estão isoladas. O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar mobilizaram cerca de cem homens para o resgate das famílias. Desde ontem, técnicos da Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional, estão no Piauí para ajudar nas ações de retirada da população das áreas de risco e no levantamento dos danos materiais e humanos.

O Grupo de Apoio a Respostas e Assistência Humanitária da Sedec, formado por policiais, bombeiros militares e técnicos civis, estruturaram em Cocal um centro de comando e gerenciamento de desastres. No local já existem dez abrigos provisórios funcionando em escolas e ginásios de esportes, e dois helicópteros do governo do Piauí estão sendo utilizados no transporte de alimentos e no resgate da população.

A Secretaria Nacional de Defesa Civil está mobilizada junto com a Força Aérea Brasileira (FAB) para o envio de mais helicópteros para região. Nas próximas 24 horas, seguirão dois helicópteros, um do Maranhão e outro do Ceará, para auxiliar no deslocamento famílias isoladas.