Título: O parteiro ausente
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 01/08/2009, Opinião, p. 7
Em 1930, nasceu um Brasil novo por cima do velho. O Brasil agrícola, rural, sem infraestrutura, exportador de bens primários, deu lugar a um país industrial, urbano, com infraestrutura e um mercado interno. Nesses últimos 80 anos, aquele novo Brasil ficou velho. Seu crescimento depredou a natureza, exigiu ditadura e concentração da renda, criou uma sociedade desigual e violenta, com corrupção endêmica e uma moeda desvalorizada, sua indústria mecânica ficou desatualizada para a realidade da economia do conhecimento.
Um novo Brasil quer e precisa nascer sobre este que ficou velho. Um Brasil com economia baseada no conhecimento, em equilíbrio com a natureza, distribuidora de sua renda e outros benefícios; sem pobreza, sem violência, sem corrupção. Uma sociedade republicana. Foi com a esperança de ter um parteiro para esse novo Brasil que os eleitores votaram e elegeram Fernando Henrique e Lula. Havia no ar a necessidade de um novo Brasil e precisávamos de líderes que o fizessem nascer.
Passados quatro mandatos desses governos, descobrimos que o parteiro está ausente. Esses líderes fizeram as mesmas alianças espúrias com a velha política e seus representantes. Eles próprios, que traziam a esperança, demonstraram estar comprometidos com o Brasil antigo. Preferiram pequenos ajustes no velho.
Conseguiram o fim da inflação e criaram uma rede mínima de proteção, mas nada mudaram na realidade social. Mantiveram o mesmo padrão de crescimento baseado no modelo industrial do século XX, que exige concentração dos benefícios. Conservaram privilégios, conviveram com a corrupção e a política do passado. No máximo, buscaram acelerar o crescimento do mesmo velho modelo, sem oferecer qualquer reorientação em direção ao Novo.
Não houve inflexão em direção a um crescimento baseado na produção de conhecimento, nem na geração de emprego, baseado na educação. Não houve uma estratégia para a substituição da rede de proteção social por uma escada de ascensão social, nem a escolha de um modelo civilizatório definindo limites no uso dos recursos naturais e emissão de resíduos, casando sociedade e natureza.
Mais do que crescer, o Brasil precisa se renovar. Se insistir apenas em crescer, no lugar de se renovar, o Brasil vai estagnar, mesmo crescendo. Continuará desigual, não republicano, com corrupção, violência, cidades degradadas, um país rico para poucos e não civilizado. A história recente já mostrou que nenhum país se civiliza apenas pelo crescimento, sem uma renovação. E que, daqui para frente, não cresce sustentavelmente sem reorientar sua maneira de produzir. Mostrou também que a redução da desigualdade social, e a construção de uma sociedade republicana, pacífica e livre de corrupção, passam pela educação de qualidade para todos. O Brasil velho dispõe do potencial econômico e financeiro que permita a mudança de rumo para a construção de uma república democrática.
O mais grave é que em breve teremos novas eleições presidenciais, que elevarão para vinte ou vinte e quatro os atuais dezesseis anos de mandatos, sem esperança de uma proposta de renovação. Porque o debate que se prevê entre os candidatos será sobre como acelerar o velho Brasil, e não como renová-lo. Os dois candidatos aparentemente já escolhidos discutirão quem oferece maior taxa de crescimento da mesma antiquada, perversa e depredadora economia em direção ao abismo social, moral e ecológico, e não quem oferece um ângulo de inflexão para dobrar outra esquina da história em direção à modernidade que o século XXI aponta: economia do conhecimento, distributiva socialmente e equilibrada ecologicamente. Caminhamos para eleger qual será o melhor mecânico para consertar e acelerar o velho Brasil, e não qual será o parteiro para concertar e reorientar um novo Brasil.
Tudo indica que em 2010 o parteiro vai ficar ausente até mesmo na própria eleição. Como se já estivéssemos tão acostumados com o velho Brasil que não percebêssemos a necessidade de um novo querendo nascer.