Título: Dívida pública à espreita dos EUA
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 27/07/2009, Economia, p. 13

Com um déficit recorde de US$1,8 trilhão previsto para o orçamento deste ano - e coberto apenas parcialmente com a emissão de títulos do Tesouro - os Estados Unidos têm diante de si o desafio de lidar com uma dívida pública crescente e, pior, com o fato de que quase um terço desse endividamento está nas mãos de investidores estrangeiros. Nos últimos nove anos, o endividamento total dos EUA passou de US$5,6 trilhões, em 2000, para US$11 trilhões em março passado.

Trata-se de uma quantia astronômica mesmo para um país que gera, anualmente, US$14,2 trilhões em bens e serviços, segundo o último dado do Produto Interno Bruto (PIB), de 2008. O que significa o seguinte: para cada US$1 de riqueza na economia, há US$0,7 de dívida.

Para James Angel, professor da McDonough School of Business da Universidade de Georgetown, o endividamento americano é insustentável do ponto de vista da administração pública. E deixa o país vulnerável, já que US$3,07 trilhões, ou 28% do total, estão com credores estrangeiros sob a forma de títulos do Tesouro americano - o que desfaz uma velha tese entre economistas americanos de que a dívida do país é principalmente doméstica, "uma dívida de americanos para americanos".

Na lista dos países que mais detêm títulos do Tesouro americano, a China é, de longe, o principal investidor em papéis públicos dos EUA: são US$739,6 bilhões, ou 24% de tudo o que está nas mãos de estrangeiros. E o Brasil é o terceiro maior detentor individual de títulos americanos, com US$133,5 bilhões, atrás de Japão e dos blocos formados por exportadores de petróleo e países do Caribe.

A dívida americana cresceu tanto nos últimos anos que, hoje, cada cidadão do país já nasce devendo US$36 mil.

- Apesar dos discursos do governo e do Congresso, ainda não consegui enxergar um plano realmente sustentável de redução do endividamento - diz James Angel.

- As soluções atuais são remendos que transferem gastos de lugar ou buscam projeção política com cortes nos impostos, que começaram para os ricos no governo Bush (do ex-presidente George W. Bush) e continuaram para a classe média no governo Obama (do presidente Barack Obama). E há o custo das guerras no Afeganistão e Iraque. Quem vai pagar pelo financiamento dos gastos? As futuras gerações de americanos endividadas - acrescenta.

Já ficou célebre a frase do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, sobre o alto nível do endividamento americano. A extrema flutuação do dólar com relação às moedas mundiais tem preocupado muitos líderes:

- Nós temos muitos títulos dos EUA e é claro que estamos preocupados com nossos ativos. Para ser honesto, gostaria de pedir aos EUA que trabalhem para se manter uma nação com credibilidade e garantam a segurança dos ativos chineses - disse Wen.

Obama afirmou que os chineses não deveriam se preocupar com a solidez da economia americana, nem mesmo nestes tempos recessivos, e que seu objetivo era equilibrar as contas públicas e reduzir o endividamento americano enfrentando os dois itens que mais pesam nos gastos públicos dos EUA: a previdência social e o sistema de saúde. O segundo item já começou a ser equacionado, mas alguns economistas não parecem satisfeitos.

- O governo não me parece preocupado com uma relação entre dívida e PIB de 70%, que é o teto do estabelecido para os países da União Europeia. Mas num cenário como o atual, é claro que o crescimento do endividamento americano é muito mais veloz que o crescimento da economia e isso é preocupante, sim. É certo que a análise de modelos de gastos e receitas dos EUA mostra uma relação insustentável, mas, por outro lado, há espaços para melhora nos cortes de gastos com a reforma do sistema de saúde e da previdência - avalia o professor James Angel.

Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso, uma entidade independente, ainda que a proposta de orçamento de Obama corra dentro do previsto, o déficit público dos EUA ainda estará no patamar de US$1 trilhão em 2019. Neste ritmo, advertem, a dívida acumulada deve chegar a US$19 trilhões.

Mas este cálculo, observa o professor James Angel, inclui gastos que serão recuperados, como os US$700 bilhões do socorro às montadoras e aos bancos. Conforme a economia vá se recuperando, este dinheiro voltará aos cofres públicos ou as ações dos governos nestas empresas podem se valorizar. Mas nada disso adiantará muito se o país não cuidar dos seus sorvedores de dinheiro.

- Não há saída sem as reformas da previdência, da saúde e um cuidadoso gasto público, especialmente em infraestrutura e tecnologia, que ajudam na recuperação da economia - diz Angel.