Título: O jogo de empurra na gripe
Autor: Lauro Neto; Mascarenhas, Gabriel
Fonte: O Globo, 20/07/2009, Rio, p. 8

Hospital municipal manda pacientes com sintomas da doença para unidade estadual

Lauro Neto e Gabriel Mascarenhas

Ovírus H1N1 ganhou novos aliados na sua disseminação. As informações desencontradas e o jogo de empurra em unidades municipais e estaduais têm dificultado o atendimento de pacientes com suspeita de gripe suína.

Ontem de manhã, o movimento era normal no Hospital municipal Miguel Couto, na Gávea, onde serventes e maqueiros usavam máscaras cirúrgicas. Porém, um cartaz ao lado da recepção da emergência orientava pessoas com sintomas de gripe a procurarem a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Botafogo, administrada pelo estado.

Funcionários do hospital não sabiam dizer se havia na unidade o Tamiflu, antiviral usado no tratamento da gripe suína. Um repórter do GLOBO, que se passou por parente de uma pessoa com suspeita da gripe, conseguiu falar com uma médica de plantão, que pediu para conferir se havia o remédio na farmácia do Miguel Couto.

- Isso daí você só vai achar em farmácia particular - disse o farmacêutico, embora o Ministério da Saúde não recomende a automedicação e as farmácias não estejam vendendo o medicamento.

Cartaz é retirado após telefonema

Na UPA de Botafogo, onde o movimento era intenso por volta das 11h30m de ontem, a informação sobre o medicamento era outra:

- Se, depois da avaliação médica, houver suspeita de gripe suína e o médico achar necessário, ele pedirá o medicamento à Fiocruz.

Em meio ao disse me disse, o cartaz afixado no Miguel Couto - uma das principais unidades da rede municipal - para quem quisesse ver, e fotografar, parecia não ter dono. Segundo a direção do hospital, não houve orientação para colocar qualquer aviso na unidade. No início da noite, depois de O GLOBO entrar em contato com a Secretaria municipal de Saúde, o cartaz foi retirado. A direção informou "que tomará as medidas cabíveis" contra o responsável.

O desamparo dos pacientes não ficou restrito aos corredores e salas do Miguel Couto, estendendo-se a algumas das principais unidades de saúde da Zona Norte. No Posto de Atendimento Médico (PAM) de Del Castilho - perto da Favela do Pedrosa, onde foi confirmada a primeira morte em decorrência de gripe suína no Rio - a espera por atendimento chegava a cinco horas. Além disso, a farmácia da unidade estava fechada.

- Chegamos às 11h30m e, até agora (às 16h47m), minha filha, de 13 anos, que está com febre de 40 graus, além de dores no corpo e muita tosse, ainda não foi atendida. A moça disse que ia demorar porque havia apenas um médico no hospital. Saímos de casa às 9h e estamos sem comer nada - contou, com a voz abafada pela máscara, Ana Paula da Silva, de 37 anos.

Na UPA de Manguinhos, mães que chegavam com crianças apresentando sintomas da gripe, ontem à tarde, tinham de dar meia-volta. No lugar onde era feita a triagem dos pacientes, um aviso com os endereços das UPAs do Engenho Novo e da Tijuca era o cartão de visita do jogo de empurra. Adultos tinham de aguardar por até três horas para serem recebidos pelos dois médicos plantonistas.

- Estamos sem pediatria. Nada, nada, nada. Dá um pulo na UPA da Tijuca ou na do Engenho Novo - sugeria o funcionário.

O motoboy Rafael Maia, de 24 anos, ficou quase cinco horas na fila da UPA de Manguinhos:

- Tive febre e tosse durante a noite. Eu mofei na fila, mas o médico me examinou rapidinho, passou um xarope, vitamina C, e pronto. Ele me mandou voltar para casa. Teve gente que desistiu de esperar - disse ele, que também estava de máscara.

Quem foi para o Engenho Novo encontrou a sala de espera abarrotada. A médica que fazia a primeira abordagem na unidade, que se identificou como Elisa, garantia que pacientes com sintomas de gripe suína tinham prioridade, sem especificar, porém, em quanto tempo seriam atendidos.

Máscaras e álcool já começam a faltar

Nos hospitais do município, pacientes também sofriam. Até 18h10m de ontem, a emergência do Salgado Filho, no Méier, só estava recebendo pacientes "de altíssima gravidade". Uma atendente encarregada de organizar a fila no guichê de recepção, embora não fosse médica, tirava a temperatura de uma criança e alertava que a espera seria longa:

- Para ser atendido, demora mesmo: cerca de quatro horas de espera, por aí.

O Ministério da Saúde informou que apenas as unidades de referência no tratamento da nova gripe - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, na Ilha do Fundão; Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel; Central Iaserj, no Centro; e Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec), em Manguinhos - são obrigadas a ter o Tamiflu. Segundo o ministério, cabe às secretarias de saúde decidir se, em casos graves, o paciente deve ser transferido para um centro de referência.

Em meio à falta de informações, vizinhos da moradora da comunidade do Pedrosa que morreu quinta-feira estão com medo de contrair a doença:

- Moro numa casa atrás da residência da moça que faleceu. É claro que, como todo mundo, estou com medo. Minha preocupação é o meu filho de 1 ano e 5 meses pegar essa doença e eu não conseguir atendimento na UPA. Agora não temos para onde ir - diz Edinilza Ferreira, de 24 anos.

Em farmácias da Zona Sul, já começam a faltar máscaras descartáveis e álcool em gel. Em uma drogaria na esquina das avenidas Bartolomeu Mitre e Ataulfo de Paiva, no Leblon, não havia nenhum dos dois artigos.

- O álcool em gel acabou, mas devemos receber mais amanhã (hoje). A procura aumentou bastante. Há um bocado de gente comprando - disse um vendedor.

Em outra farmácia do Leblon, havia frascos de álcool a R$19,50, mas as máscaras estão em falta há um mês, segundo o atendente João Alberto:

- Vendemos pelo menos uns cinco potes de álcool em gel por dia. Já a máscara está difícil de conseguir até com os distribuidores.

Numa drogaria perto da esquina das ruas São Clemente e Eduardo Guinle, em Botafogo, só havia uma caixa com 30 máscaras (R$1 a unidade) e alguns frascos do álcool. O de 60 ml custa R$6 e o de 250 ml, R$ 9,10.

COLABOROU Anna Luiza Santiago