Título: Polo petroquímico na mira da PF
Autor: Suwwan, Leila; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 25/07/2009, Economia, p. 27

Polícia Federal apura indícios de superfaturamento nas obras do Comperj

Leila Suwwan, Ramona Ordoñez e Danielle Nogueira

Além do Tribunal de Contas da União (TCU), a Polícia Federal (PF) investiga os indícios de irregularidades na construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). A obra foi paralisada na quarta-feira pela Petrobras, dias depois de a documentação levantada pelos auditores do TCU ser enviada ao Instituto Nacional de Criminalística (INC). Há suspeitas de sobrepreço nos contratos e superfaturamento na execução do projeto, orçado em US$8 bilhões.

A PF se interessou pelo caso e solicitou no começo deste mês uma cópia do processo, citando a existência de um inquérito, que corre em sigilo. A documentação, referente aos achados preliminares dos auditores da Secretaria de Fiscalização de Obras (Secob) do tribunal, foi repassada no dia 14. A Petrobras pediu informações ao TCU no mesmo dia e, novamente, na última segunda-feira. Na quarta-feira, as obras pararam.

De acordo com a estatal, em nota divulgada anteontem, a paralisação das obras foi motivada pelo questionamento do TCU sobre a cláusula do contrato que diz respeito ao pagamento de "indenização por dias parados", em dias de chuva, feito aos empreiteiros responsáveis pela obra - o Consórcio Terraplanagem Comperj (CTC), formado pelas construtoras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht.

Petrobras: fim de verba parou obras

As declarações causaram estranheza no TCU, que oficialmente se limitou a informar que não existe qualquer ordem ou medida cautelar de suspensão das obras. O tribunal foi surpreendido com o posicionamento da estatal, já que é inusitado que a empresa tome uma decisão súbita e drástica, com a desmobilização de uma obra de grande porte, antes sequer de apresentar suas justificativas e explicações ao TCU. A Petrobras tem histórico de embate e forte defesa administrativa no tribunal em casos de discordâncias sobre a regularidade de cláusulas contratuais.

Ontem, a Petrobras emitiu nova nota, em que, apesar de reconhecer que está discutindo com o TCU algumas cláusulas contratuais da obra, garante que o tribunal não está questionando os preços do contrato. A estatal alega, inclusive, que o TCU teria constatado que o preço do serviço de terraplanagem é "vantajoso" para a Petrobras, em comparação com os preços de referência usados pelo tribunal, que são baseados em obras de construção de rodovias.

Na nota, a Petrobras afirma que a paralisação das obras no Comperj deveu-se ao fato de ter sido gasta toda a verba destinada para pagamento dos custos no período em que os trabalhos foram interrompidos por conta das chuvas. A estatal alega que, por ter chovido muito acima da média histórica da região de Itaboraí, a verba prevista no contrato para o pagamento desse período parado teria se esgotado. Na última quinta-feira, contudo, uma fonte da estatal garantiu que a obra foi interrompida por causa das divergências, com o TCU, a respeito da cláusula que prevê o pagamento pagamento durante as chuvas.

A Petrobras informou ainda que está negociando um aditivo ao contrato com a consórcio responsável pelas obras. A estatal está também mantendo negociações com o TCU a respeito da cláusula de remuneração para o período de chuvas, com o objetivo de retomar as obras.

O TCU, por sua vez, aguarda novas repercussões para emitir um posicionamento institucional. O tribunal quer desfazer a impressão de que teria sido o responsável por parar, sem causa convincente e sem chance de defesa, uma obra que prevê a criação de 200 mil empregos diretos, além de propulsionar a indústria de derivados do petróleo. Fontes do TCU não arriscaram hipóteses sobre a motivação da Petrobras, mas avaliam que a reação é inesperada, ainda que exista um reconhecimento de conduta irregular.

Dois processos no TCU sobre o projeto

O processo em questão partiu de uma representação interna, da Secretaria de Fiscalização de Obras do tribunal, julgada procedente. Além da cláusula questionada, foram apresentadas questões de sobrepreço no relatório preliminar. O documento não tem valor de parecer definitivo -auditores só elaboram conclusões após a análise das justificativas dos gestores. Depois, cabe ao relator e ao plenário acatarem ou não as sugestões do setor técnico. O ministro Augusto Nardes pediu esclarecimentos da Petrobras e do consórcio responsável pelas obras no mês passado, e as respostas ainda não foram anexadas.

Os indícios de irregularidades também estão sendo acompanhados num segundo processo no TCU, o Fiscobras, que anualmente fiscaliza a execução de grandes obras e remete um relatório ao Congresso Nacional, com poder de cortar o repasse de verbas do orçamento.

Com as obras paradas, os cerca de 3.700 operários que trabalhavam no Comperj receberam aviso prévio da Consórcio Terraplanagem nesta semana. O Sindicato dos Trabalhadores do Plano da Construção Civil e do Mobiliário de São Gonçalo, Itaboraí e Regiões, que representa a categoria informou que somente vai homologar as demissões após uma reunião com representantes do consórcio, prevista para ocorrer na próxima terça-feira. O sindicato vai exigir que o consórcio dê prioridade aos trabalhadores demitidos ao recontratar pessoal quando as obras forem retomadas.

Preocupado com os rumos do projeto, o governo do Estado do Rio buscará uma solução junto a Petrobras e TCU. O secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços do Estado do Rio de Janeiro, Júlio Bueno, disse ontem que vai tentar intermediar as negociações entre a estatal, o TCU e as empreiteiras responsáveis pelo Comperj, na tentativa de que as obras sejam retomadas.

- A gente vê com grande apreensão a paralisação das obras do Comperj. É o maior investimento hoje no Brasil, de US$8 bilhões. Nós vivemos um momento complicado no mundo, e nós temos investimento, postos de trabalho, perspectiva de emprego. Vou ver como o estado pode ajudar, enfim, fazer uma interlocução com o Tribunal de Contas. Esse vai ser o papel que o estado vai tentar trilhar neste caso - disse Bueno, em visita ao Porto do Açu, em São João da Barra, Norte do Estado do Rio.