Título: Recados do BC
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 10/08/2009, Economia, p. 14

Operações especulativas no mercado futuro de câmbio quase levaram grandes empresas exportadoras brasileiras à bancarrota quando a crise financeira internacional se agravou em setembro passado. O episódio foi contornado depois de algumas semanas de o mercado aqui andar no fio da navalha. Para que uma situação dessas não se repita, o Banco Central tem dado recados.

Não chegam a ser mensagens cifradas, mas as recentes declarações do presidente do BC, Henrique Meirelles, soam como advertência para quem anda apostando em uma valorização excessiva do real frente ao dólar.

O uso do gás natural em veículos leves foi estimulado, especialmente por governos estaduais (no Rio, por exemplo, praticamente toda a frota de táxis está adaptada para o GNV, e há um grande número de carros particulares que também circula com kit gás), no período que o país quase não tinha usinas termoelétricas preparadas para esse tipo de combustível.

No caso do Rio, o estímulo até se justificava pois estava para entrar em operação um polo gás-químico que somente iria usar como insumo as frações de etano e propano (cerca de 27%), liberando o restante para queima ou outros aproveitamentos.

No entanto, desde que o gás natural se tornou fundamental para a geração de energia elétrica nos meses do ano de vazante nos reservatórios das usinas hidráulicas, devido à natural redução do volume de chuvas, o GNV virou uma espécie de vilão.

Em 2007/2008 houve um período crítico, embora curto, durante o qual ficou evidente que não estaria disponível a quantidade de gás natural necessária para movimentar as usinas termoelétricas no percentual desejado.

Também naquela época a Bolívia ameaçava criar uma série de conflitos com o Brasil e passou a ser vista como um fornecedor nada confiável.

Nesse clima, começou a ser posto em ação um programa que na prática restringia o uso do gás natural.

Esse programa incluiu investimentos a conversão de termoelétricas para a queima opcional de óleo diesel (ou óleo combustível) e a instalação de duas redes de regaseificação de GNL importado, uma na Baía de Guanabara, no Rio, e outra no porto de Pecém (Ceará).

Ficou claro que o fornecimento de GNV para veículos seria o primeiro a ser cortado, pois os automóveis tinham a alternativa de serem abastecidos com gasolina ou etanol.

Estímulos fiscais e mesmo a diferença de preço favorável ao GNV foram desaparecendo, e hoje há um desânimo entre revendedores que se prepararam para um grande salto do mercado consumidor.

No entanto, a própria Petrobras vem dando sinais que poderá novamente dar força ao GNV. É que a Bolívia tem mantido o fornecimento dentro das quantidades demandadas, a importação de gás natural liquefeito (GNL) funcionou dentro do previsto, a produção nacional de gás natural aumentou, os reservatórios das hidrelétricas estão cheios (de modo que as usinas térmicas vêm sendo pouco acionadas) e o ritmo da indústria consumidora caiu consideravelmente. O resultado é sobra de gás natural, que acaba absurdamente queimado quando não é possível injetá-lo de volta nos poços de petróleo.

O problema é que agora o mercado ficou desconfiado.

Qualquer campanha pelo uso do GNV em carros leves terá que ser focada na flexibilidade.

Ou seja, haverá momentos que abastecer com gás será economicamente atrativo, e em outros nem tanto.