Título: Partilha ou concessão?
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 06/09/2009, Opinião, p. 7

Um dos eixos centrais do debate sobre o pré-sal diz respeito ao marco regulatório da exploração e produção do petróleo. Segundo a experiência internacional, são três os modelos de regulação mais utilizados: o regime de concessão, adotado no Brasil em 1997 e que, na proposta apresentada pelo atual governo, será mantido em 28% do pré-sal, para as áreas já licitadas; o contrato de serviços, que utilizamos a partir de 1975, em resposta às pressões cambiais associadas ao choque de preços do petróleo, e cujos resultados foram pífios; e o sistema de partilha da produção, proposto pelo governo Lula para as áreas não licitadas ¿ 72% do total do pré-sal ¿ e outras jazidas relevantes, que é o modelo predominante nos maiores produtores mundiais de petróleo.

Note-se que o regime de concessão foi implantado no Brasil em um cenário em que o preço do barril do petróleo era US$ 19, o país vivia uma crise cambial prolongada e a Petrobras estava descapitalizada ¿ o governo anterior vendeu 30% das ações da empresa por um valor irrisório, se olharmos com o olhar de hoje, de US$ 5 bilhões. Um cenário, além disso, dominado pela ideologia do Estado mínimo, para a qual as empresas estatais já não eram necessárias e os caminhos da modernidade eram a desregulamentação e a privatização.

Esse quadro é hoje radicalmente distinto, inclusive devido à grave crise econômica e financeira internacional que expôs as inconsistências do capitalismo autorregulado.

Isso não exclui, no entanto, que o regime de concessão, em condições de risco exploratório alto e nível de produção potencial baixo, possa ser uma opção aceitável para o Estado e para a sociedade, já que é a empresa concessionária quem arca com os custos e riscos da exploração. O problema é que, nesse regime, as reservas, quando descobertas, são privatizadas. Elas são incorporadas ao balanço das empresas, que podem delas dispor livremente pelo prazo de 27 anos. Em consequência, o Estado e a sociedade perdem o controle da gestão operacional e estratégica das reservas.

Esse é o ponto central do debate. A dimensão das jazidas do pré-sal e seu baixo risco exploratório representam uma mudança estrutural sem precedentes na economia do petróleo do Brasil, como evidencia a descoberta, a partir de 2006, em apenas três poços, Tupi, Iara e Parque das Baleias, de reservas da ordem de 9,5 a 14 bilhões de barris. Ou seja, dobramos, em apenas três anos, o volume de reservas identificadas ao longo de mais de 50 anos.

No regime de partilha, a propriedade das reservas e da produção permanece em poder do Estado e as empresas recebem uma compensação adequada pelas atividades desenvolvidas.

Portanto, introduzir o regime de partilha é essencial para manter o controle público sobre essas reservas, que podem desempenhar um papel estratégico em nosso desenvolvimento. Isso é particularmente importante porque 77% das reservas mundiais estão sob controle público, 7% pertencem às grandes multinacionais e, nos próximos 20 anos, projeta-se um déficit na oferta mundial de petróleo da ordem de 75 milhões de barris/dia.

Além disso, com o regime de partilha podemos fortalecer a Petrobras, elegendo-a como parceira prioritária para operar o pré-sal. No regime de concessão a Petrobras teria que disputar blocos com multinacionais de grande capacidade financeira, o que conduziria à sua descapitalização e limitaria sua capacidade de induzir a dinamização da cadeia produtiva do petróleo e o aumento do seu índice de nacionalização. São esses fatores que explicam, em parte, o crescimento da participação da indústria de petróleo e gás no PIB, de 3,5% para 12%.

A proposta do governo Lula é de que pelo menos 30% de toda atividade exploratória no pré-sal sejam controlados pela Petrobras.

Por último, o regime de partilha permite aumentar a participação do Estado na renda do petróleo, ampliando a capacidade do novo Fundo Social, que integra a proposta do Governo, para canalizar os recursos do pré-sal para a erradicação da pobreza, a educação e a cultura, a inovação científico-tecnológica e a defesa do meio ambiente.

É espantoso que a Oposição trate como eleitoral esse debate. Ora, se o interesse do Governo fosse eleitoral, não teria suspendido a 9arodada de licitações, que permitiria, já, antecipar substantivas receitas e ampliar o gasto público. Fazemos exatamente o contrário. O que estamos discutindo é qual o melhor caminho para transformar essa riqueza natural em riqueza econômica e social para todos

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).