Título: Uma organização criminosa de 40 réus
Autor: Brígido, Carolina e Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 29/08/2007, O País, p. 3

MENSALEIROS NO TRIBUNAL

Em decisão histórica, STF abre processo contra todos os denunciados e considera Dirceu o chefe da "quadrilha" do mensalão.

Dois anos após revelado o escândalo e depois de mais de 30 horas de debates e votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem o julgamento da denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, abrindo processo contra os 40 acusados do mensalão. Os ministros do STF viram indícios suficientes para considerar o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu o chefe da "organização criminosa" montada para comprar o apoio de partidos da base em troca de apoio ao governo Lula. Responderão pelo mesmo crime de formação de quadrilha três ex-integrantes da cúpula do PT: José Genoino, Delúbio Soares e Silvio Pereira, além de Marcos Valério e dirigentes do Banco Rural. No total, 14 pessoas são acusadas de pertencerem à principal quadrilha denunciada pelo Ministério Público Federal (relacionadas nesta página) e que teria idealizado, montando e distribuído os recursos do mensalão.

O STF realizou cinco sessões para analisar toda a denúncia, e todos os 40 acusados foram transformados em réus. Entre eles, figuram pagadores e beneficiados dos repasses de altas quantias em dinheiro.

A decisão de processar José Dirceu por formação de quadrilha contou com o voto de nove integrantes da corte. Na véspera, por unanimidade, os dez ministros aceitaram a denúncia de corrupção ativa. Ontem, apenas Ricardo Lewandowski defendeu o arquivamento da denúncia de formação de quadrilha Dirceu. O relator, ministro Joaquim Barbosa, disse que as investigações realizadas até agora têm provas mínimas para se justificar o recebimento da denúncia e a abertura de ação penal contra Dirceu. Ele citou como principal indício o depoimento do deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em 2005. Jefferson acusou Dirceu de comandar o esquema do mensalão.

- Admito que há prova mínima de que ele (Dirceu) era o mentor e comandante supremo da trama, e as outras pessoas eram meramente coadjuvantes. Isso merece ser investigado. Seria Dirceu o mentor, chefe incontestável do grupo, a pessoa a quem todos os demais prestavam deferência. Para mim, é o bastante - concluiu o relator.

No voto, Barbosa também considerou como provas depoimentos de outros indiciados sobre reuniões realizadas pelo ex-chefe da Casa Civil com Marcos Valério, que operava o pagamento de propina a parlamentares. Nesses encontros, teria sido discutida a forma como os repasses seriam feitos.

- Tais circunstâncias individualmente me permitiriam dizer que não é possível abortar a ação penal e ignorar a situação. Tais reuniões não se destinavam meramente à troca de apoio político, mas sim à compra deste apoio mediante repasses clandestinos de valores financeiros - enfatizou o ministro.

- É muito difícil imaginar que as complexas operações realizadas poderiam se fazer sem respaldo político - opinou Gilmar Mendes.

O único a discordar de Barbosa foi Lewandowski. Para ele, o procurador-geral respaldou a denúncia contra Dirceu por formação de quadrilha no simples fato de que o petista ocupava um cargo importante no governo:

- Está se potencializando o cargo ocupado pelo denunciado para se imputar a ele a prática do crime de quadrilha - disse Lewandowski.

O julgamento da denúncia sobre a inclusão de Dirceu no processo por formação de quadrilha durou cerca de uma hora. Em seguida, foi a vez de Delúbio Soares ficar na berlinda. De forma mais ágil, o plenário decidiu, por unanimidade, incluir Delúbio na mesma ação penal. Segundo a denúncia do procurador-geral, ele tinha "a função de operacionalizar, juntamente com Marcos Valério, o esquema de repasse de dinheiro em nome do PT". O relator citou depoimentos de outros acusados relatando a aproximação do então tesoureiro do PT com Marcos Valério e com a diretoria do Banco Rural para obter ajuda para saldar dívidas do PT.

- Os indícios de participação de Delúbio Soares na quadrilha são bastante claros - disse Joaquim. - Delúbio parece colocar-se naquela posição do esquema como uma espécie de varejista. Era o dedo que apontava os sacadores, não o intelecto que distinguia os mensaleiros - completou Ayres Britto.

Os ministros Lewandowski e Eros Grau ponderaram que não havia nos autos detalhes suficientes para caracterizar o envolvimento de José Genoino na suposta quadrilha. Mas a maioria dos ministros decidiu incluir o deputado na ação penal. Silvio Pereira também será investigado pelo mesmo crime. Ele foi apontado na denúncia como o homem responsável por indicar ocupantes de cargos do governo federal.

Os chamados núcleos publicitário e financeiro também serão processados por formação de quadrilha. Segundo Barbosa, a participação de Marcos Valério no esquema é "documentadamente exuberante".

Antes do julgamento do capítulo da denúncia sobre formação de quadrilha, os ministros decidiram livrar Marcos Valério da acusação de falsidade ideológica.