Título: Cenas por trás das cortinas do maior julgamento da história do Supremo
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 02/09/2007, O País, p. 4

Procurador-geral da República pedia ajuda a tropa de assistentes pelo MSN.

BRASÍLIA. Fonte de polêmica nos e-mails indiscretos dos ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, os modernos laptops que ornamentam o plenário do Supremo Tribunal Federal também ajudaram a selar o destino dos 40 acusados de operar o mensalão. Enquanto a dupla trocava confidências sobre intenções de voto e disputas internas na Corte, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, usava a rede para salvar sua denúncia do bombardeio de 27 advogados que atuaram no caso.

Pela janelinha do MSN Messenger, ele comandou, nos cinco dias de julgamento, uma tropa de três assistentes aquartelados num gabinete do quarto andar do Anexo II do Supremo. De lá partiram, por exemplo, os documentos que garantiram o uso de relatórios do Banco Central sobre as contas que irrigaram o valerioduto - e, por tabela, o bolso de parlamentares de partidos aliados. Enquanto os ministros discutiam a validade dos dados, um assessor vencia o labirinto de túneis e corredores do tribunal com um parecer redigido às pressas pelo procurador José Alfredo de Paula, braço-direito do chefe do Ministério Público. Distribuído em plenário, o texto encerrou a discórdia que ameaçava comprometer os dados sobre as movimentações suspeitas de dinheiro.

Antonio Fernando: intensa atividade virtual

A intensa atividade virtual de Antonio Fernando - que, de longe, parecia ouvir com enfado as discussões dos ministros - preencheu uma das páginas que, nos bastidores, ajudam a contar a história do julgamento mais aguardado dos últimos anos. Palco do cafezinho em que os integrantes da Corte tratam de amenidades nos intervalos das sessões, o Salão Branco, que reúne os retratos de todos os presidentes do STF desde o Império, assistiu a uma reunião tensa na quinta-feira, 23, quando os diálogos de Cármen Lúcia e Lewandowski foram divulgados pelo GLOBO.

Alvo de comentários ferinos, o ministro Eros Grau, com a saúde abalada e o apelido de Cupido estampado no jornal, sentiu a pressão subir e pediu atendimento médico. Exaltado, Carlos Ayres Britto elevou o tom de voz para defender a expulsão dos fotógrafos do plenário - solução aceita e, mais tarde, arquivada pelo tribunal. Econômica nas palavras por temperamento e pela liturgia do cargo, a presidente do tribunal, Ellen Gracie, sugeriu a divulgação de uma nota de repúdio à publicação do teor das mensagens. Mas foi voto vencido: teve que abrir o segundo dia de trabalhos sem uma palavra sobre o assunto.

A opção pelo silêncio também foi majoritária nas duas filas de poltronas ocupadas pelos advogados. Defensor do deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ), Luiz Fernando Barbosa tentou, sem sucesso, convencer os pares a emitir uma opinião conjunta sobre o vazamento de informações. Desaconselhado por colegas como o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que representava os diretores do Banco Rural, decidiu recorrer à ironia para invocar o tema na tribuna.

- Se havia alguma dúvida de que esta Corte ouvia com atenção todas as partes, fica comprovado mais uma vez que tal suposição não fazia sentido - afirmou.

Criminalistas careiros faziam refeição a R$10, com bebida

Com preços subsidiados, o restaurante dos funcionários do STF, no subsolo do Anexo I, matou a fome de alguns dos criminalistas mais caros do país por menos de R$10 a refeição, com direito a suco ou refrigerante. Os ministros comeram com mais conforto no gabinete de Ellen Gracie - à exceção de Cármen Lúcia, que abriu mão do banquete a partir do segundo dia de julgamento. O procurador Antonio Fernando preferiu almoçar com a família, em casa, no Lago Sul.

No julgamento mais longo da história do STF, que mandou para o banco dos réus políticos de peso como o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, a ausência de manifestantes frustrou a expectativa dos seguranças engravatados que vigiavam a entrada do tribunal. Não foi só o povo que faltou à praça: dos 40 acusados, nenhum se dispôs a ocupar as poltronas reservadas no plenário. Quem deu pinta no STF foi a socialite paulistana Maria Christina Mendes Caldeira, que pegou um avião para testemunhar in loco o calvário do ex-marido, o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP). Enquanto assistia ao julgamento num telão, ela concedia entrevistas e bordava uma almofada com a inscrição "Relaxar e gozar está bem difícil com tanta impunidade".