Título: Queda dos juros perto do fim
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 14/09/2007, Economia, p. 25

Crise externa fez BC cogitar a hipótese de não reduzir a taxa básica na última reunião.

De mocinho, o cenário externo agora virou vilão. A turbulência que vem afetando os mercados financeiros no mundo todo, por causa da crise no setor imobiliário americano, aumentou a preocupação do Banco Central (BC) sobre a trajetória de inflação no Brasil, que já vinha sendo pressionada pela demanda interna maior. Este é um dos principais pontos da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem. Com isso, avaliam os especialistas, a autoridade monetária deu mais sinais de que pode parar de cortar a taxa básica de juros (Selic) já em outubro, e não mais em dezembro, como era a aposta anterior.

- Mais um corte (de 0,25 ponto percentual) não tem probabilidade zero de acontecer no mês que vem. Mas o BC deu sinais fortes de que pode estar encerrando esse ciclo de baixa - avaliou o economista sênior da Unibanco Asset Management José Luciano Costa.

Com a redução de 0,25 ponto, para 11,25% ao ano, feita há uma semana, o Copom completou um ciclo de dois anos consecutivos de cortes da Selic, o mais longo da história. No entanto, desacelerou o ritmo que manteve nos dois encontros anteriores, com quedas de 0,5 ponto percentual em cada. No documento publicado ontem, o BC informou que chegou até a cogitar parar o movimento de baixa em setembro mesmo, mas "avaliou o cenário macroeconômico e considerou que, neste momento, o balanço dos riscos para a trajetória prospectiva da inflação ainda justificaria estímulo monetário adicional".

O cenário externo adverso fez com que o BC considerasse que, apesar de ainda não poder considerar risco iminente para a inflação, a contribuição desse setor "para um cenário de inflação benigno pode estar se tornando menos efetiva". Assim, afirmou o BC na ata, "nesse ambiente, cabe à política monetária manter-se especialmente vigilante para evitar que a maior incerteza detectada em horizontes mais curtos se propague para horizontes mais longos".

Preocupação com consumo interno

Um dos reflexos da turbulência internacional pode recair sobre as exportações brasileiras, uma vez que as chances de o crescimento econômico mundial ser menor daqui para frente são mais consistentes (a crise no setor imobiliário dos EUA pode reduzir o ritmo de crescimento americano, que, assim, puxaria a economia mundial). Dessa forma, entraria menos moeda estrangeira no país, o que poderia elevar a cotação do dólar frente ao real e, conseqüentemente, ter impacto sobre os preços. O Copom, no entanto, reconheceu que ainda não há certezas sobre qual o real reflexo que a crise externa trará.

No front interno, o BC fez comentários importantes sobre o consumo, alegando que o aumento da demanda continua "podendo colocar riscos não desprezíveis para a dinâmica inflacionária", que também vem sendo ameaçada pelo aumento de preços dos alimentos. Para este ano, o BC calcula expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) de 4,7%, mas outras alas do governo apostam que a taxa ficará acima dos 5%.

Sem quantificar, a autoridade monetária apenas informou que elevou "marcadamente" a projeção do IPCA para este ano em relação ao que calculava na reunião de julho, mas que ainda continua abaixo do centro da meta do governo, de 4,5%. O mesmo movimento foi feito sobre as estimativas para 2008. As projeções do BC são conhecidas apenas a cada três meses, com a divulgação do relatório de inflação, cujo próximo volume deverá sair no fim deste mês.

- A preocupação maior é em relação a 2008, e o quanto a inflação vai contaminar. Por isso, o BC está mostrando cautela - afirmou o economista-chefe do banco Schahin, Sílvio Campos Neto, que também não descarta a possibilidade de o BC frear a queda de juros na próxima reunião do Copom.

Apesar do alerta e da recente alta do petróleo no mercado internacional, o BC manteve sua expectativa de que não haverá aumento dos preços da gasolina e do gás de botijão neste ano. Mais: espera redução maior para as contas de luz, passando de 3,6% para 4,4%. Também reduziu sua previsão de aumento dos serviços de telefonia fixa, de 3,3% para 2,8%.

A economista-chefe do ABN Amro, Zeina Latif, avalia que a ata do Copom mostrou que existe maior deterioração do cenário interno, com a demanda e a atividade econômica crescendo e aumentando o risco de mais inflação.

Copom mudou o tom em relação à inflação

No documento de ontem, o BC piorou a avaliação sobre os riscos desses fatores ao afirmar que "podem elevar a probabilidade de observarmos pressões significativas sobre a inflação no curto prazo". No documento da reunião anterior, em julho, o BC havia escrito que a atividade econômica indicava possível fortalecimento maior da demanda, mas ainda não sugere "uma probabilidade elevada de que observemos pressões significativas sobre a inflação no curto prazo". - A argumentação de quem defendia mais cortes de juros era o cenário externo melhor, que continuava mantendo o câmbio valorizado. Hoje a situação é diferente, mas ainda é cedo para dizer que o cenário internacional não vai melhorar. Temos muito tempo para a próxima reunião do Copom (dias 16 e 17 de outubro) - afirmou Zeina, para quem o Copom pára de cortar os juros já no próximo mês.