Título: Apetite da China e aposta no etanol contribuem para puxar o reajuste
Autor: Paul, Gustavo e Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 16/09/2007, Economia, p. 34

Demanda por produtos como o leite cresce o dobro da expansão da oferta.

BRASÍLIA. Apesar de o clima surgir como importante causa da inflação de alimentos dos últimos meses, os pontos-chaves da aceleração dos preços ainda são o apetite mundial por comida e os investimentos para estimular o uso do etanol como combustível. O bom momento da economia global, com expansão média de 5% nos últimos anos, levou as populações a comer melhor - mais proteínas, como carne, leite e ovos. É um fenômeno internacional, sobretudo na China, na Índia e nos países menos desenvolvidos e com sérios problemas sociais, especialmente os da África, avaliam os especialistas.

Um caso típico é o do leite, cuja oferta cresce 2% ao ano, mas a demanda aumenta o dobro. Segundo Rodrigo Alvim, presidente da Comissão de Pecuária de Leite da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a demanda aquecida vai durar muitos anos e a oferta está limitada.

A Nova Zelândia é a maior exportadora mundial, com 28% do mercado, mas tem condição de elevar em apenas 1% a produção. A Europa, que exporta 35% do que produz, está praticamente impedida de elevar suas vendas externas por questões ambientais.

Produtor brasileiro lucra, mas consumidor paga

O avanço das importações chinesas é uma das razões dessa restrição em relação ao leite, que fez com que o preço internacional dobrasse em um ano. A cotação da tonelada do leite em pó, que ficava na casa de US$2 mil, está sendo comercializada a US$5,4 mil.

- O México e a Venezuela, por exemplo, estão atrás do produto no mercado internacional e têm dificuldades em encontrá-lo - diz Alvim.

Essa movimentação é boa para os produtores brasileiros, que vivem o melhor momento dos últimos anos. Mas quem pagará a conta são os consumidores. Recentemente, a Nestlé anunciou que, para compensar a alta das commodities, teria de promover um aumento nos preços de seus produtos de, em média, 2,2%.

Já na China, lembra o economista-chefe para América Latina do WestLB, Ricardo Amorim, o principal impacto ocorre em carne suína e derivados, bastante consumidos pela população do país. No México, o problema é sobretudo com o milho e, no Brasil, também há reflexos na carne.

- Está havendo um choque nos preços agrícolas e todo o mundo sente. Com mais gente comendo, e a oferta sofrendo percalços, não dava para ser diferente - afirmou Amorim.

Desvio para cultivo de milho afeta outros produtos

Um fator adicional ao cenário é a demanda mundial por biocombustível. O sucesso do etanol já mexeu nos preços agrícolas. A fonte de reajustes são os Estados Unidos, que utilizam o milho como matéria-prima e onde a demanda pelo grão cresceu 19% este ano. Fernando Homem de Melo, especialista em economia agrária da USP, explica que os americanos diminuíram bastante suas exportações da commodity para atender o mercado interno.

Além disso, houve estímulo para que os produtores de outras culturas optem por plantar milho. Ou seja, diz Melo, a oferta de mais produtos foi afetada, num efeito cascata:

- O mercado de milho puxou um ajuste global grande. O mundo tomou uma decisão política de favorecer o combustível limpo, mas levou ao aumento do preço dos alimentos.

O Brasil poderá se beneficiar desse processo, ampliando sua função de fornecedor de alimento, como soja e milho, para o mercado internacional. Mas, ainda assim, o patamar dos preços internacionais poderá se alterar de forma permanente.