Título: Em defesa de Renan
Autor: Noblat, Ricardo
Fonte: O Globo, 17/09/2007, O País, p. 4

Com a ajuda de votos garimpados em todos os partidos - à exceção do PSOL, que só tem um senador -, Renan Calheiros escapou de ser cassado na semana passada por quebra de decoro. Por que em troca deveria largar o cargo de presidente do Senado, como querem alguns líderes da oposição? Nunquinha. É golpe. Contra ele e o Senado que o absolveu.

Vejam o que disse o senador Sérgio Guerra (PE), futuro presidente nacional do PSDB, a propósito do clima que se vive no Senado: "Isso não vai mudar enquanto o Renan achar que ganhou". E o que disse Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado: "A Casa elegeu Renan duas vezes presidente, agora o absolveu, e ele não percebe que deveria fazer algum gesto de retribuição". Guerra, atentai bem: Renan ganhou. Ele não acha que ganhou - ele ganhou com folga. Quer que eu desenhe? Foram 40 votos pela absolvição dele, 35 pela cassação e seis abstenções. Você sente muito? Eu também sinto - e toda a torcida do Flamengo. Na prática, os seis senadores que se abstiveram votaram a favor de Renan. Era preciso o mínimo de 41 votos para cassar-lhe o mandato.

Virgílio, atentai bem: sua declaração não tem pé nem cabeça. E você sabe disso. Quer dizer que Renan "deveria fazer algum gesto de retribuição" porque duas vezes foi eleito presidente do Senado? E porque acabou inocentado da acusação de ter mentido aos seus pares no caso do pagamento das despesas de sua ex-amante? O que é isso, companheiro? O Senado dá três provas seguidas de confiança em Renan e, como sinal de agradecimento, ele deveria retribuir com um gesto do tipo sair de cena por um tempo? Ele retribuiu, sim. Disse, e com toda razão, que não existe ninguém melhor do que ele para presidir o atual Senado. Você discorda, Virgílio? Pois 46 dos 81 senadores concordam.

Atribui-se ao PT a maior parcela de culpa pela absolvição de Renan. O PT tem 12 senadores. É certo que pouco mais da metade deles votou para livrar a cara de Renan. Mas o PSDB também deu uns votinhos para Renan por debaixo do pano, você sabe, Virgílio. E José Agripino Maia (RN), líder do DEM, sabe que o partido dele ofereceu no mínimo oito dos seus 17 votos. O fato é que a maioria dos senadores preferiu ignorar as provas de quebra de decoro que condenaram Renan no Conselho de Ética por 11 votos contra quatro. É claro, no Conselho - coitadinhos! - eles votaram à luz do dia. No plenário, às escondidas, sentiram-se, digamos, mais à vontade para expressar seus reais sentimentos.

Quer saber quem sorri à toa da decisão do Senado? Lula. Ganhou ali um aliado morto-vivo na presidência. Reforçou sua aliança com o PMDB e demais partidos amigos. E mostrou mais uma vez que faz do PT gato e sapato - pobre PT! É conversa mole que o governo enfrentará dificuldades para aprovar no Senado a prorrogação da CPMF simplesmente porque preservou Renan. Com a expectativa de ver José Serra ou Aécio Neves no lugar de Lula a partir de 2011, o PSDB ficará a favor da prorrogação da CPMF mais dia, menos dia. De resto, governo pode muito. Tem grana sobrando e cargos para distribuir com eventuais descontentes. E governo para quem a vida lhe sorri, esse pode muito mais.

Em 2006, o poder aquisitivo dos trabalhadores aumentou 7,2%. Foi o melhor resultado em 11 anos. O aumento acumulado desde 2005 é de 12,1%, segundo o IBGE. Para a metade mais pobre deles, 2006 foi disparado o melhor ano desde o lançamento do Plano Real. Cresceu 4,7% o número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada. De cada cinco novos empregos, três foram criados no mercado formal. A taxa de desemprego caiu de 9,3% em 2005 para 8,4% no ano passado. É a menor desde 1997. Por último: em quatro anos do primeiro mandato de Lula, surgiram 8,7 milhões de novos postos de trabalho. Sim, quase esquecia: durante a campanha, ele prometeu 10 milhões. E daí? Deveria pedir as contas mais cedo e ir para casa?