Título: Ministro responsabiliza a PF
Autor: Franco, Bernardo Mello e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 28/09/2007, Rio, p. 14

Marco Aurélio Mello diz que caberia ao órgão vigiar suíço que estava em prisão domiciliar.

Oministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), lavou ontem as mãos sobre o sumiço do fraudador suíço Mike Niggli, foragido há mais de um mês. Foi de Marco Aurélio a decisão de conceder, no ano passado, um habeas corpus que deu ao suíço o direito de responder em prisão domiciliar ao processo de extradição. Perguntado ontem sobre a responsabilidade pela fuga do suíço, o ministro se esquivou.

- Não era minha. A polícia judiciária é a Polícia Federal, mas ela tem coisa mais importante para fazer. Quero deixar claro que não estou criticando a PF - disse ontem, ao entrar no plenário do STF.

Questionado sobre a hipótese de Niggli ter deixado o país, Marco Aurélio disse que cabe à PF verificar nos aeroportos a identidade dos passageiros nos passaportes e comparar com a dos foragidos. Mas ressaltou a dificuldade que os agentes teriam de agir dessa forma em todo o Brasil. O Departamento de Polícia Federal informou ontem que não comentaria a declaração do ministro. O delegado Vanderley Ribeiro, chefe da Interpol no Rio, disse ser praticamente impossível manter uma equipe de policiais federais vigiando alguém em prisão domiciliar 24 horas por dia.

Depois aplicar golpes em pelo menos 18 pessoas e empresas na União Européia, causando prejuízos de US$80 milhões, Mike Niggli, procurado pela Interpol, também conseguiu enganar o governo brasileiro. Ao preencher os documentos necessários para obter a naturalização e o passaporte brasileiro, ele omitiu a informação de que era réu em diversos processos que corriam desde 1997 em tribunais europeus.

Suíço recorreu à Justiça gratuita

A naturalização de Niggli foi concedida em 29 de janeiro de 2003. Na época, segundo o governo, ele já respondia a acusações por pelo menos cinco crimes tipificados na lei brasileira: estelionato, gestão fraudulenta, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Para o Ministério da Justiça, a declaração em que o suíço omitiu os processos a que respondia entre 1997 e 2001 caracteriza mais um delito: o de falsidade ideológica.

Por ter se casado com a brasileira Rosane Niggli Lopes da Rosa, com quem tem uma filha de 11 anos, o golpista já havia obtido o visto de permanência definitiva no país em junho de 2001. Alertado pela Interpol no início de maio deste ano, o governo deu prazo de 15 dias para que o suíço se defendesse da suspeita de falsificação. Como ele não se manifestou, o ministro Tarso Genro revogou sua naturalização na portaria 1.007/07, publicada no Diário Oficial da União em 23 de maio.

O processo de divórcio de Mike e Rosane Niggli, que corre em sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), revela outra curiosidade sobre o suíço. Apesar de ser dono de imóveis em endereços luxuosos como a Avenida Delfim Moreira, no Leblon, ele recebeu há cinco meses o benefício de Justiça gratuita, que o livrou de pagar eventuais custas judiciais. A decisão, do ministro Raphael de Barros Monteiro, foi assinada em 2 de abril. Um processo de divórcio na primeira instância sai por cerca de R$400.

Ao comentar sua atuação no caso, o ministro Marco Aurélio reclamou de ter sido mal interpretado sobre seu comentário de que todo acusado tem o "direito natural de fugir" da Justiça. A declaração foi dada após a prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, no dia 15, em Mônaco. Foi o ministro que concedeu liminar libertando Cacciola, que fugiu logo depois:

- Fui mal compreendido. Não passo a mão na cabeça de delinqüentes.

Professor de direito constitucional da Uerj, Luís Roberto Barroso explicou a lei brasileira sobre extradição:

- A Constituição de 1988, em seu artigo 5º , inciso LI, veda de modo taxativo a extradição de brasileiros natos. No caso dos brasileiros naturalizados, a extradição é possível em duas situações. Em primeiro lugar, no caso de crimes comuns (ou seja, crimes não políticos) praticados antes da naturalização. Em segundo lugar, na hipótese de envolvimento em tráfico ilícito de drogas.

O professor ressaltou ainda que, no caso da extradição de um naturalizado, há pré-requisitos.

- É necessário, por exemplo, que a conduta atribuída ao indivíduo seja crime tanto no país que requer a extradição quanto no Brasil. Mesmo inexistindo tratado entre o Brasil e o país requerente da extradição, ela poderá ser concedida desde que haja promessa de reciprocidade.