Título: Depois da tempestade
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 13/10/2007, Opinião, p. 7

Acrise que chacoalhou os mercados financeiros nas últimas semanas tem um aspecto singular. As perdas propriamente ditas não foram tão significativas. Até porque as hipotecas subprime, mesmo sendo nos EUA, representam uma parcela relativamente pequena do mercado de crédito.

A retração do crédito ocorreu porque ninguém sabia exatamente onde estava o risco e como ele havia sido distribuído. Na dúvida, ninguém empresta. Por isso, houve a necessidade de injeções tão maciças de liquidez. Ainda há riscos potenciais presentes, e incertezas sobre o impacto desses eventos nas diferentes regiões. Mas tudo indica que a economia mundial caminha para a normalidade.

Aqui, merece destaque a resistência apresentada pela economia brasileira no período. Ao se deparar, nas duas últimas décadas, com situações semelhantes, o Brasil mergulhava em crise profunda. A fuga de capitais produzia grandes desvalorizações da moeda, com descontrole da dívida pública e perda de renda para as empresas e para as famílias.

Desta vez, porém, foi muito diferente. O esforço de mais de uma década para controlar a inflação se mostrou à altura. As ações mais recentes para reduzir e alongar o passivo externo, ao lado da confiança no desempenho fiscal do país, mostraram seu valor. Ajudou muito para essa estabilidade a percepção de que, apesar da desaceleração americana, outras regiões do mundo, e em particular a Ásia, continuarão a crescer fortemente, demandando insumos básicos que o Brasil produz com eficiência e abundância.

Mas não vamos nos iludir. Passada a tempestade, o pior dos erros seria considerar que está tudo resolvido e que podemos saborear as vantagens de um longo ¿ciclo de commodities¿. Muito pelo contrário! Os bons resultados obtidos até aqui recomendam persistir em políticas sólidas que assegurem os investimentos desejados.

Isso exige um funcionamento mais sofisticado, embora não complicado, da economia brasileira. Trata-se de ter redes de incentivos típicas de ambientes de negócios estáveis, transparentes, e onde a eficiência é premiada. O recente leilão de concessão das rodovias federais mostrou o grande potencial de atração do investimento privado de projetos bem desenhados.

Para o Brasil continuar a vencer, temos que afastar as dúvidas. Não sobre o passado ou o presente, mas sobre o médio prazo. Esse tempero é essencial para que o aumento de demanda ¿ especialmente a interna ¿ que ocorre hoje se traduza em um ciclo mais longo de crescimento. Mas sem ressaca! Aumentar a eficiência e permitir um choque de oferta evitará que o impulso da demanda bata no muro da inflação.

Na área tributária, por exemplo, é importante que a CPMF seja preservada, pois a estabilidade das contas públicas não pode dispensar R$40 bilhões de uma hora para outra. Mas também é inegável que o país não pode perder a oportunidade de realizar uma reforma tributária que simplifique a estrutura de impostos, reduza ordenadamente o peso dos tributos e facilite a vida do empreendedor.

Se é verdade que o Estado precisa estar mais bem equipado nas áreas sociais, na justiça e na regulação, também são urgentes os esforços para melhorar a produtividade do setor público. As despesas ineficientes, que pouco somam à vida do cidadão, devem ser sistematicamente revisadas.

Diminuir a incerteza estimula os empreendedores em todos os níveis. Um caminho já testado para isso são as reformas institucionais, como as que, nos últimos anos, revolucionaram o mercado imobiliário. Há outras nessa mesma linha sendo votadas no Congresso. Tratam sobre as novas Normas Contábeis, o Cadastro Positivo, o aperfeiçoamento das Agências Reguladoras e a criação do novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Há também os projetos que completam a reforma do Judiciário.

O bom funcionamento do setor público e a superação das travas que ainda emperram a iniciativa privada serão os maiores desafios do Brasil nos próximos anos.

ANTONIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.