Título: Falta de placas leva motoristas à curva da morte
Autor: Taves, Rodrigo
Fonte: O Globo, 13/10/2007, O País, p. 8

Ribanceira após longo trecho em declive fica na BR-040, a estrada onde mais ocorrem acidentes fatais em Minas.

ITABIRITO (MG). Quem se aproxima não percebe qualquer sinal de perigo. Não há placas de advertência, radares eletrônicos ou redutores de velocidade. A única placa é até convidativa: ¿Restaurante da Celinha. Pão com lingüiça¿. Nem parece que o motorista está chegando à Curva da Morte, em Ribeirão do Eixo, trecho mais perigoso da BR-040, a estrada onde atualmente ocorrem mais acidentes fatais em Minas Gerais.

Só quem fica em permanente sobressalto em Ribeirão do Eixo ¿ distrito de Itabirito, a 55 quilômetros de Belo Horizonte ¿ são os moradores. A dona de casa Alexandra Moura, de 30 anos, que mora com a família em frente à Curva da Morte, já vai dormir esperando o próximo susto:

¿ A gente sempre acorda com um barulhão, e o coração começa a pular. Primeiro é aquele estrondo, como se o mundo estivesse acabando, e depois sobe um poeirão. Não tenho coragem de ir lá ver, mas a vizinhança desce toda, e o socorro sempre demora muito a chegar.

¿Cuidado!¿, diz uma moradora

Quem não faz a curva fechada à direita, logo após um longo trecho em declive, despenca na ribanceira e bate nas árvores lá embaixo. É impossível escapar com vida. As maiores vítimas são os caminhoneiros, e Alexandra relaciona as cargas que tombaram no buraco nos últimos meses: abóboras, chapas de compensado, iogurte, biscoitos, papel higiênico, vassouras.

A experiência de descer do carro e caminhar por ali é apavorante: os veículos se aproximam a toda velocidade, aproveitando o embalo da ladeira, e deixam para frear em cima, como carros de corrida. Muitas vezes, a sensação é de que os motoristas estão perdendo o controle e vão despencar em seguida. Quando aparece uma placa amarela indicando curva acentuada à direita, a dez metros dela, já não faz muita diferença.

¿ Cuidado! É melhor passar pela trilha no mato ¿ aconselha Maria de Fátima Gomes, que se aproxima com suas duas meninas preocupada em ensinar o caminho usado pelas crianças da escola de Ribeirão do Eixo, que antes tinham de passar pela pista de rolamento enfrentando o trânsito pesado, porque não há sequer acostamento.

¿ A curva é fechada e escorregadia, e há outras muito perigosas. Todo mês, a gente alerta o Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) sobre esse trecho, no relatório de condições técnicas da rodovia. Até hoje, nada foi feito para resolver o problema ¿ critica o patrulheiro Xavier, chefe do posto da Polícia Rodoviária Federal mais próximo.

Só até maio já são 31 mortes

Minas é o estado que sempre ocupa o primeiro lugar no ranking de acidentes do país. Só de janeiro a maio, 31 pessoas morreram no trecho de 110 quilômetros da BR-040 (Rodovia JK) entre Belo Horizonte e o município de Cristiano Otoni, em direção ao Estado do Rio. Mesmo com números tão altos, a estrada apresenta verdadeiras armadilhas para o motorista, já obrigado a conviver com o intenso trânsito de caminhões com minério de ferro.

As marcas das tragédias estão pelo caminho, eternizadas pela falta de manutenção da rodovia. Pontes com as muretas destruídas, guard-rails com ferros retorcidos, pedaços de veículos, objetos de famílias inteiras que perderam a vida na estrada. Em Carandaí, a 150 quilômetros de Belo Horizonte, as muretas da ponte sobre o Rio Carandaí, de tão destruídas, mostram que os acidentes graves se repetem quase sempre no mesmo lugar, diante da omissão de autoridades.

¿ O último acidente aqui, que destruiu a mureta da esquerda, foi de um Pajero que caiu e pegou fogo. Morreram pai e filho. A mãe e as duas meninas sobreviveram porque foram retiradas às pressas. O carro explodiu. Do lado direito, a mureta está destruída porque caiu uma carreta vazia. Aqui já caiu até ônibus lotado, e não sobreviveu ninguém ¿ diz Luiz Carlos Ribeiro, morador da cidade, enquanto observa operários consertarem a mureta.

As pontes são estreitas e surgem, sem aviso, logo depois de curvas, em trechos de descida. O Dnit já duplicou um trecho da estrada, principalmente entre Juiz de Fora e Carandaí, mas as pontes continuam tendo apenas uma pista em cada sentido, e os motoristas, imprudentes, ainda passam em alta velocidade.

¿ Se bobear, bate espelho com espelho. O motorista se assusta e perde o controle. Já morreu muita gente assim nessa estrada. Os acidentes são sempre muito feios, ninguém sobrevive ¿ diz o caminhoneiro Odair Colpane, com 15 anos de experiência na BR-040.

Radares, só no Viaduto das Almas

De tão perigoso, o Viaduto Vila Rica, o maior da BR-040, perto de Congonhas (MG), ganhou dos caminhoneiros o apelido de Viaduto das Almas, numa referência à quantidade de pessoas que morreram ao despencar lá de cima. O viaduto é feito em curva, com apenas uma faixa estreita em cada mão. Nas duas extremidades, o Dnit botou radares e placas com a inscrição ¿Perigo, viaduto em curva¿ e ¿Perigo, reduza a velocidade¿. Mas a quantidade de buracos na mureta mostra que, diante da imprudências dos motoristas, as advertências pouco adiantam.

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