Título: Entre o aparelhamento do Estado e o assassínio
Autor: Passarinho, Jarbas
Fonte: Correio Braziliense, 21/04/2009, Opinião, p. 29

Cientistas políticos afirmam que a missão dos partidos políticos, na democracia, é, se na oposição, conquistar o poder e, se nele, manter-se. Os ideais tenentistas consubstanciaram-se na revolução de 1930, levando Getúlio Vargas ao governo por 17 anos não consecutivos, duração de que se queixou ¿por achar pouco¿. Os militares brasileiros em 1964 desencadearam um golpe de Estado preventivo, forçados pelo envolvimento na guerra fria e duraram duas décadas no governo de que participaram civis de renome técnico.

O apoio à candidatura de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, foi opção por um professor de formação marxista, mais aceitável que o Lula, presidente do PT, com viés revolucionário. Seu plano era governar por 20 anos, mas o segundo mandato dos tucanos enfrentou as crises de países capitalistas amigos, com reflexo no Brasil, e o apagão da eletricidade, fatais para a desvalorização violenta do real e a perda de popularidade. Então, o PT foi vitorioso, mas teria de vencer o ¿beijo da morte¿, que enfrentam os governantes quando não trazem com eles a maioria no Legislativo.

Encarregou-se disso o ministro da Casa Civil, José Dirceu, alugando votos de deputados venais na operação apelidada de mensalão. Lula, no seu estilo hiperbólico, dissera que jamais houve ou haveria ¿nesse país¿, em toda a história republicana, um presidente da República tão honesto e eficiente quanto ele. A eficiência comprovou-se. A honestidade não. José Dirceu tinha um assessor imediato de nome Waldomiro Diniz, encarregado da ligação e negociação com os deputados da base aliada. Os deputados o chamavam de ¿ministrinho¿. Filmado extorquindo um negociador de jogos, só pediu para ele mesmo 1% do valor da extorsão. Modesto, reconheça-se. A oposição ensaiou uma CPI, no Senado, que, a despeito de satisfazer todos os requisitos constitucionais, não foi instalada sequer, pois José Dirceu não podia ser investigado. Até hoje Waldomiro não prestou contas à Justiça.

Idealizou-se novo plano de manutenção no poder, por muitos anos: o aparelhamento do Estado. Tem tido bom sucesso, uma vez instalada a república sindicalista. Tão logo tomou posse, Lula nomeou 400 sindicalistas para funções de confiança, particularmente nas estatais e para controlar ministros de Estado não petistas, ocupando funções vitais abaixo do ministro. O PT trazia a experiência na conquista de prefeituras importantes, especialmente em São Paulo. Todos os prefeitos colaboravam com a caixa 2, ¿por fora¿, para o partido. Ao que se sabe, Santo André entrava na corrupção pela concessão de renda de contrato de companhias de ônibus. Lula indicou, na quarta campanha, em 2002, que seria vitoriosa, o prefeito Celso Daniel, por quem tinha grande admiração, para geri-la.

Em janeiro, todavia, o prefeito foi assassinado. Lula, no velório, emocionalmente abalado, chorou e bradou que aquele crime não ficaria impune. Celso havia contado a seus irmãos que os membros mais destacados do PT sabiam do esquema de corrupção, com o qual, tudo indica, rebelou-se. Com seu antigo guarda-costas, que se fizera dono de companhias de ônibus até no Ceará, voltava de um jantar quando foi sequestrado sem que nada acontecesse com seu protegido. Torturado e finalmente assassinado Celso Daniel, a conclusão policial foi de assalto, logo contestado por promotores do Ministério Público de São Paulo.

Após isso, Lula calou-se. Seguiu-se, porém, a morte sucessiva e misteriosa de oito pessoas, que não foram ouvidas e possivelmente teriam o que dizer sobre o crime. Um dos primeiros a morrer foi o garçom que serviu a mesa do restaurante onde ouviu parte dos diálogos entre Daniel e Sombra, alcunha pela qual é conhecido o desavindo protegido do prefeito. Preso, o provimento, pouco depois, pela Justiça, de um hábeas corpus permite-lhe defender-se em liberdade. Os irmãos de Celso Daniel não se conformaram e se empenham em elucidar o crime. Passaram a ser ameaçados de morte, e foram buscar, na França, asilo político.

A estratégia para a manutenção no poder prossegue tranquilamente há sete anos, não pelos meios que usaram Getúlio, os militares e os tucanos, mas pelo aparelhamento do Estado. Há dias, se vivo, Celso Daniel teria feito 58 anos em 16 de abril corrente. O Estadão publicou um artigo comovedor de Bruno José Daniel Filho, irmão de Celso. Escreve da França. Revolta-se: ¿Apesar de todas as evidências colhidas pelo MP, que mostraram que o crime foi planejado e que há, pelo menos, um mandante, a última testemunha de defesa de Sombra ainda não foi ouvida, pois nunca é encontrada¿. Bruno estranha e se bate para ser Sombra julgado pelo júri popular, onde espera surgirem novas provas. Pergunta Bruno: ¿Quais são as pessoas e instituições que têm interesse em que nada seja resolvido?¿.

Não se trata de um paranoico, mas de um irmão que, chantageado por quem diz que sua campanha manchará a imagem de Celso, não se rende. Acha que a mancha não atinge o irmão morto, mas ¿os que matam tentam ocultar assassinos e continuam agindo com os mesmos mecanismos que levaram à sua morte¿. Os mecanismos chegariam até ao assassínio de mais oito e à intimidação da família de Celso?