Título: Chávez diz que seu futuro depende da reforma
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Fonte: O Globo, 24/11/2007, O Mundo, p. 51

Presidente da Venezuela anuncia que, se vencer referendo, PDVSA pode repassar distribuição de combustível às comunas.

CARACAS. O presidente Hugo Chávez advertiu ontem os venezuelanos de que se o seu projeto de reforma constitucional não for aprovado, ele terá que deixar o poder ao fim de seu mandato, daqui a cinco anos e, nesse caso, seria melhor irem pensando num substituto. Chávez disse ainda que uma derrota no referendo de 2 de dezembro o levaria a "uma profunda reflexão" e a começar a se "preparar para quem for assumir o timão".

- Em 2012 haverá eleições e faltam cinco anos. Supondo que não se reforme a Constituição, temos que ir pensando em quem vai me substituir, porque eu teria que sair - disse o presidente. - Agora, eu acredito que (a reforma) vá ser aprovada, mas é necessário um grande esforço para mobilizar todos em cada esquina e povoado.

Um dos pontos polêmicos do projeto é a reeleição presidencial indefinida. Eleito pela primeira vez em 1998 e reeleito ano passado, Chávez precisa da reforma para concorrer a um terceiro mandato. Segundo ele, a reforma ajudará a avançar rumo "ao socialismo do século XXI" e ampliará o poder das comunidades para combater a pobreza. Mas grupos de direitos humanos, a Igreja Católica e a oposição afirmam que entre os 69 artigos a serem modificados estão medidas violando direitos civis.

TSJ: constitucionalidade só será julgada após referendo

A uma semana do referendo, Chávez intensificou a campanha pelo "sim". Ele anunciou ontem que, se a reforma for aprovada, a Petroleos de Venezuela S.A. (PDVSA) poderá entregar a operação de sua rede de postos de gasolina às comunas - centros comunitários que seriam submetidos diretamente ao Poder Executivo - com o lucro revertido para a população local. A PDVSA pode repassar também as redes de distribuição de combustível e de gás para veículos.

- Proponho que a PDVSA entregue isso às comunas para que sejam elas que administrem a distribuição do combustível. O excedente econômico ficaria para o poder popular, para que vocês possam, com isso, ir acumulando recursos para o investimento social - disse o presidente.

As comunas têm seu embrião nos conselhos comunitários, eleitos por moradores e que enviam pedidos de financiamento ao governo para projetos como reparo de estradas. Como parte da campanha de desenvolvimento social, o governo criou uma rede de 33 mil conselhos comunitários, e espera destinar US$4,2 bilhões em 2008 para financiar esses projetos. Os conselhos seriam a espinha dorsal das comunas.

- Estamos caminhando para o socialismo através do poder popular, conselhos comunitários e democracia direta - disse Chávez recentemente.

Críticos temem que as comunas suplantem prefeitos e governadores, únicos postos nos quais a oposição têm representação. A medida, no entanto, é popular em áreas carentes.

- Passamos 20 anos sem eletricidade - contou Aurelia Velasquez, em Buena Vista. - Estou feliz. O lampião enchia a minha casa de fumaça.

A intensificação da campanha do governo tem motivo. Segundo o diretor do Datanálisis, Luis Vicente León, a tendência a favor do "sim" mudou substancialmente nas últimas semanas devido, entre outros fatores, às manifestações estudantis e ao pronunciamento do general Raúl Isaías Baduel, ex-aliado de Chávez. Segundo as últimas pesquisas, diz León, Chávez enfrenta seu mais complicado cenário eleitoral até o momento.

Chávez mandou ontem "ao inferno" um grupo evangélico que chamou de herética a proposta de reforma e também criticou a Igreja por dizer que o projeto era "moralmente inaceitável":

- Te condeno ao inferno, líder farsante. Porque aqui está a proposta divina de Cristo, o redentor dos pobres.

Crise de abastecimento leva à compra de leite do Brasil

Enquanto isso, recursos contra o referendo têm sido recusados um após o outro. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) chegou a recusar 16 ações somente na quinta-feira. Ontem, o TSJ decidiu que a legalidade do projeto de reforma constitucional só será julgada se o texto da reforma for aprovado no referendo. A decisão foi uma resposta à ação da Confederação de Profissionais Universitários da Venezuela e do Colégio de Advogados de Carabobo, segundo os quais as modificações propostas são tão amplas que seria necessário a convocação de uma Assembléia Constituinte. "Não é possível controlar a priori o conteúdo (do projeto)", justificou o juiz Arcadio Delgado na decisão.

Às vésperas do referendo, o governo promete melhorar o abastecimento de gêneros alimentícios. Desde domingo chegaram ao país 420 toneladas de leite do Brasil, e que ainda estão na alfândega. Nos próximos dias deve chegar à Venezuela leite também da Argentina. O país vive uma crise de abastecimento e, além do leite, faltam produtos como açúcar, peixe e azeite, enquanto outros, como arroz, farinha de trigo e macarrão são escassos. As lojas vendem apenas um quilo por pessoa.