Título: Em áreas férteis, à espera do assentamento
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 25/11/2007, O País, p. 10

Fazendas em Goiás estão ocupadas por 23 famílias de sem-terra; região é rica na produção de soja, milho e feijão.

PARAÚNA (GO). De uma terra maldita - utilizada como entreposto para cargas de cocaína do megatraficante Fernandinho Beira-Mar - a fazenda Descanso Ponte de Pedra está prestes a ser considerada abençoada por um grupo de 14 famílias de sem-terra. O imóvel, de 606 hectares, vai virar assentamento da reforma agrária para 52 pessoas - entre adultos e crianças - que hoje estão ocupando parte da área, à espera da assinatura do termo entre Incra e Senad.

A fazenda fica na região de Paraúna (a 250 quilômetros de Goiânia). O terreno é rico e fértil, no Sudeste de Goiás, e um dos celeiros de produção de soja, milho e feijão do estado. Outra fazenda de Beira-Mar, a Fartura, na mesma região, com 145 hectares, também será destinada à reforma agrária. Nesta, vivem nove famílias de trabalhadores rurais, que agora esperam ter a posse definitiva do imóvel.

Desde que a Polícia Federal assumiu a posse da fazenda em 2001, os sem-terra, que viviam acampados nas proximidades, estavam de olho no imóvel. Foram três invasões até este ano. Há seis meses os sem-terra, ligados à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), ocuparam a terra pela última vez e agora pressionam para que o acordo seja fechado entre os órgãos do governo. Nas outras duas vezes que ocuparam a área, em 2003 e 2005, foram despejados pela PF com ordem judicial.

A fazenda Descanso funcionava como depósito de cocaína. Trabalhadores da região contam que, no auge do tráfico, carros de luxo circulavam na área. Onde havia terra batida para pouso de avião, hoje é mato. Há duas casas, uma que era sede e outra onde residiam funcionários. Há um galpão enorme, que seria utilizado como hangar. Não se sabe se a área foi usada para refino da cocaína ou guarda de estoques da droga.

Sem-terra têm 140 cabeças de gado numa das fazendas

Os acampados montaram doze barracos e vivem da produção de 400 litros de leite por dia, vendido para o laticínio de um assentamento próximo. Eles têm 140 cabeças de gado. A área tem uma represa e um curral, tudo da época de Beira-Mar.

Na região, Adilson Pereira Cardoso, coordenador do acampamento, não anda sozinho. Vive cercado por pelo menos dois de seus companheiros. Já foi ameaçado de morte e acredita que essas ameaças tenham como procedência gente ainda ligada ao traficante. Adilson sonha com a posse da terra.

- Foram muitos anos de lona em beira de estrada, invasões e despejos com violência.

Os acampados vivem em clima de confronto com Jerônimo França, depositário fiel do imóvel e que está na área desde que a Polícia Federal o tomou. Jerônimo vive com a mulher na casa que era a sede e entrou na Justiça para não ser mais depositário da terra. Disse que quer de volta o dinheiro que investiu. Adilson e sua turma querem Jerônimo fora da área.

A terra estava no nome de laranjas até a Justiça determinar o repasse da área para o governo federal. O relatório de vistoria do Incra avaliou a Descanso em R$2,8 milhões. O outro imóvel de Beira-Mar, a Fartura, foi avaliado pelo Incra em R$647 mil: R$129 mil as benfeitorias e R$518 mil a terra nua.