Título: Relatório revela erro das agências americanas
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 06/12/2007, O Mundo, p. 38

Documento anterior, que indicava programa bélico no Irã, foi feito pela equipe que avaliou ameaça iraquiana.

WASHINGTON. Quando as tropas americanas já ocupavam o Iraque, o presidente George W. Bush viajou ao Qatar para uma reunião com os encarregados da ocupação, ansioso por notícias sobre as armas de destruição de massa de Saddam Hussein, motivo da invasão.

¿ É você que está encarregado de procurar as armas? ¿ perguntou ele a Paul Bremer, o pró-consul americano em Bagdá, na prática o presidente interino do Iraque.

Bremer disse que esse não era trabalho dele. Bush, então, virou-se para o general Tommy Franks, o comandante da invasão, e repetiu a pergunta. ¿ Não é minha responsabilidade ¿ disse o militar.

Segundo um dos assessores presentes, Bush, demonstrando irritação, perguntou:

¿ Mas, afinal, quem está procurando as armas de destruição em massa?

Depois de um longo silêncio, um assistente disse que Stephen Cambone, vice-diretor de inteligência do Pentágono, cuidava disso.

¿ Quem?! ¿ perguntou Bush, revelando não ter a menor idéia de quem se tratava.

De volta a Washington, Bush convocou George Tenet, então diretor da CIA (agência central de inteligência) e passou a tarefa para ele.

¿ Pegamos essa trabalho porque ninguém o estava fazendo ¿ admitiu Tenet, ao deixar a CIA em junho de 2004.

Interferência da Casa Branca é grande, dizem agentes

Esse episódio revela, em parte, como funciona o sistema de inteligência dos EUA que, agora, mais uma vez admite que ¿ assim como se equivocara no Iraque ¿ não tinha informações sólidas sobre o Irã. O informe que a comunidade de inteligência, formada por 16 agências, divulgou na segunda-feira, reconheceu que ela estava errada ao assegurar desde 2005 que os iranianos vinham desenvolvendo um programa nuclear bélico. Ele foi interrompido em 2003.

¿ É inquietante ver que as agências de inteligência tenham produzido uma estimativa falha em 2005, após o fracasso no Iraque ¿ disse o senador John D. Rockefeller, chefe da Comissão de Inteligência do Senado.

Fontes do setor sugerem que o relatório anterior pode ter sido contaminado por pressões do governo no caso do Iraque, pois o informe equivocado de 2005 sobre o Irã foi feito pela mesma equipe que produzira o relatório sobre o Iraque. Por isso, a nova avaliação passou por um crivo mais rigoroso.

Mike McConnel, diretor de Inteligência Nacional, que supervisiona as 16 agências do setor, exigiu que elas consultassem mais fontes. E, além disso, adotou uma posição inédita: que, quando fosse o caso, reconhecessem o que não sabiam.

¿ Até aqui isso jamais aconteceu. Ninguém admitia desconhecimento de alguma coisa ¿ disse um funcionário do setor.

Nos 12 anos em que manteve o Iraque sob embargo comercial, a CIA não conseguiu infiltrar sequer um agente no país e tampouco recrutar informantes. No Irã, aparentemente, fontes locais obtidas há pouco tempo ajudaram a corrigir os dados que, na prática, se baseavam apenas em imagens de satélite: fotografias de prédios onde, supostamente, o país fabricava artefatos nucleares.

Segundo Tyler Drumheller, que deixou a CIA em 2005, no governo Bush tem havido muita interferência da Casa Branca nos serviços de espionagem para encontrar dados que justifiquem iniciativas políticas que o governo quer tomar. Já David Kay, nomeado pela CIA chefe do Grupo de Supervisão do Iraque, durante as buscas por armas naquele país, disse que uma noite, em Bagdá, recebeu ordem de Scooter Libby, chefe de Gabinete do vice-presidente Dick Cheney, para realizar busca em várias cavernas onde auxiliares de Saddam teriam escondido armas químicas e biológicas.

¿ Libby enviou coordenadas geográficas para guiar a busca ¿ contou Kay.

Mas a investigação terminaria em poucos minutos, e em gargalhadas. O resultado foi transmitido por Kay à CIA, em Washington: ¿Por favor avisem ao escritório do vice-presidente que as coordenadas que enviou ficam no Vale do Bekaa, no Líbano¿.

Kay, que deixou a CIA em janeiro de 2004, disse que a caça às armas no Iraque foi uma farsa.