Título: Fiz o que achava certo, combati os inimigos
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 27/12/2007, O Mundo, p. 28

Um dos quatro gaúchos processados, coronel reage irritado à notícia sobre a ordem de prisão decretada pela Justiça italiana.

PORTO ALEGRE. Dos quatro gaúchos processados pela Justiça italiana, o único que se dispôs a falar, rapidamente, sobre o episódio é o coronel de reserva do Exército Carlos Alberto Ponzi. Residente em Porto Alegre, no bairro Menino Deus, ele foi chefe da 2ª Seção do Estado Maior e do SNI gaúcho no final dos anos 80. Em 2001, ao saber que estava incluído entre os supostos responsáveis pelo desaparecimento de Lorenzo Viñas, em Uruguaiana, cidade gaúcha que faz fronteira com a Argentina, Ponzi declarou à imprensa local que estranhava o processo, já que, segundo ele "a repressão no período Figueiredo foi suave, sem casos de desaparecidos".

Agora, Ponzi, depois de dirigir palavrões aos juízes italianos, afirma:

- Eles podem me processar. Não estou preocupado com esses juízes italianos ou qualquer outro. Não tenho receio de ser preso, nem aqui, nem em qualquer lugar. Fiz o que achava certo, combati os inimigos do meu país - disse o ex-militar, com a voz exaltada, que após a declaração desligou o telefone de sua residência.

"Guerrilheiros algemados e constrangimento no QG"

O ex-secretário de Segurança Pública João Leivas Job reside em Porto Alegre, no bairro Bela Vista, e tem residência no litoral gaúcho, para onde se muda durante o inverno. Recluso, não aceita dar entrevistas e raramente fala sobre o período militar.

No livro "Segredos à direita e à esquerda na ditadura militar", de 2007, do jornalista gaúcho José Mitchell, Job, que interrogava os presos políticos no Palácio da Polícia, em Porto Alegre, sede da Secretaria de Segurança, relata:

"Fiz mais de 70% desses inquéritos contra o terrorismo. No início, eu realizava inquéritos mesmo no quartel-general. Nos dias de interrogatórios, parava um veículo na frente do quartel-general, com policiais do Dops armados de metralhadoras, trazendo guerrilheiros algemados, o que causava constrangimento no QG do III Exército. Por isso, passei a realizar os IPMs no Palácio da Polícia."

Segundo presos políticos interrogados por ele, na época, Job era rigoroso nos interrogatórios, mas não participava de torturas.

Átila Rorhsetzer é um dos personagens mais enigmáticos dos órgãos repressores gaúchos. Evitava ser fotografado e sua imagem pública continua praticamente desconhecida. Reside no litoral de Santa Catarina. Era coronel do Exército e foi chefe da Divisão Central de Informações (DCI), órgão da Secretaria Estadual de Segurança.

Em novembro de 1978, quando estava à frente do órgão, houve o seqüestro dos esquerdistas uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Diaz, por policiais brasileiros e uruguaios.

É apontado, pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, presidido por Jair Krischke, como o articulador da operação em território brasileiro. O fato criou embaraço entre as forças de repressão do estado, porque, oficialmente, questões que envolviam estrangeiros eram da alçada da Policia Federal, que só foi tomar conhecimento do fato depois de consumado.

Marco Aurélio da Silva Reis, ex-chefe do Dops gaúcho, reside atualmente no litoral gaúcho. É o único gaúcho civil da lista da Justiça italiana. Seu estado de saúde, segundo familiares, é delicado.

O ex-delegado Marco Aurélio Reis, no livro sobre a ditadura militar do jornalista José Mitchel, fala sobre o episódio do desaparecimento de Lorenzo Viñas:

"Na época, estávamos muito preocupados com a visita do Papa João Paulo II ao Brasil e com sua segurança. Não recordo de nenhum incidente que tenha acontecido na fronteira de suposto seqüestro dessa pessoa chamada Lorenzo Viñas. Ainda mais agora, que tenho problemas de memória por causa da saúde", explicou Reis no primeiro semestre de 2007.

Reis disse ao jornalista na época que se fosse necessário iria depor para a Justiça italiana, classificando o fato de "um constrangimento".