Título: A saída é política
Autor: Pogrebinschi, Thamy
Fonte: O Globo, 28/12/2007, Opinião, p. 7

Ao lançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Morro do Cantagalo, o presidente Lula afirmou que "todo mundo que não tem o título de sua terra vai tê-lo, para que tenha certeza de que o terreno é seu e não virá nenhum prefeito ou governador mandar a polícia tirá-los de lá". Lula se referia a um fantasma que por muito tempo assombrou o Rio de Janeiro: a remoção das favelas.

No entanto, por mais que a remoção tenha constituído a regra do tratamento urbanístico que as favelas cariocas receberam desde a promulgação do Código de Obras, em 1937, até meados da década de 1970, o principal fantasma que ronda hoje a população das favelas é outro: a exclusão social.

Para afastar tais fantasmas, o remédio é o mesmo: a regularização do direito de propriedade dos moradores das favelas. Sem a concessão dos títulos de propriedade àqueles que já têm a posse de um bem imóvel, nenhuma política de urbanização surtirá efeito, e a propagada integração da favela ao asfalto permanecerá ilusão. Mas, por que a distribuição dos títulos de propriedade é importante?

Socialmente, a falta de propriedade se confunde com a ausência de um direito sobre ela, o que implica reconhecer, no caso da moradia, um fator determinante de exclusão social e da condição de pobreza e miséria.

Economicamente, a ausência do direito de propriedade se revela um fator limitador da renda e da riqueza dos cidadãos. A posse sem título restringe as possibilidades de transação da propriedade e obstaculiza, por exemplo, o acesso ao crédito. Ademais, a ausência de título impede que o cidadão exerça devidamente seu papel de credor e devedor de prestações estatais, seja porque sua propriedade deixa de receber serviços públicos, seja porque ela deixa de ser objeto de tributação.

Juridicamente, a restrita distribuição do direito de propriedade dificulta o exercício pleno da cidadania, restringindo particularmente o acesso a outros direitos, sobretudo aos chamados direitos sociais e econômicos. Além disso, o provimento de títulos àqueles que têm posse certamente reduziria os conflitos jurídicos e a litigância no campo fundiário.

A mediação desses efeitos depende da esfera política. Uma regularização fundiária abrangente depende de normas a serem ainda emanadas pelo Poder Legislativo. A consecução dessas, por sua vez, depende de várias instâncias do Poder Executivo, que, por sua vez, é também o principal responsável por implementar políticas públicas que almejem uma eventual solução do problema. E, mesmo nos casos nos quais as propriedades a serem regularizadas se encontrem fora do domínio estatal, isto é, em terrenos particulares, a mediação do Estado se faz necessária através do Poder Judiciário.

A posse sem título faz da propriedade um problema jurídico, cujos meios de solução são eminentemente políticos. Resta reconhecer a centralidade desse problema e conjugar esforços no sentido de resolvê-lo.

THAMY POGREBINSCHI é professora da Uerj e da FGV-Rio.