Título: Condor: Itália reclama de falta de colaboração
Autor: Araújo, Vera Gonçalves de
Fonte: O Globo, 28/12/2007, O Mundo, p. 29

Procurador diz que autoridades sul-americanas não tiveram interesse na investigação sobre mortes de militantes

ROMA. Autor da investigação que aponta responsabilidades de 13 militares e policiais brasileiros pelos seqüestros dos ítalo-argentinos Horacio Domingo Campiglia e Lorenzo Ismael Viñas, em 1980, o procurador italiano Giancarlo Capaldo reclamou do desinteresse por parte dos governos sul-americanos em colaborar com o caso:

- A falta de colaboração das autoridades desses países complicou muito as coisas. É dificílimo investigar em outro país sem a ajuda de suas autoridades - declarou o procurador do Tribunal de Roma, que interrogou por três horas ontem à tarde o único réu preso dos 140 processados no inquérito.

A Justiça italiana pediu a extradição de 140 militares e policiais sul-americanos acusados de envolvimento em seqüestro, tortura e morte de 25 militantes políticos sul-americanos que também tinham cidadania italiana. Eles foram alvo da Operação Condor, ação conjunta entre os serviços de inteligência de países sul-americanos dominados por ditaduras para reprimir grupos políticos de esquerda nos anos 70 e 80.

Entre os processados estão 13 brasileiros - seis já mortos - acusados pelas mortes de Campiglia e Viñas, ex-militantes do Montoneros, grupo de extrema esquerda da Argentina. Campiglia foi preso no Rio, em março de 1980, e Viñas, no Rio Grande do Sul, em junho do mesmo ano. Eles foram entregues à ditadura do general Jorge Rafael Videla e são considerados desaparecidos políticos.

O Ministério da Justiça italiano ainda não enviou ao Brasil o pedido de extradição dos brasileiros processados. Uma porta-voz do ministro Clemente Mastella disse ao GLOBO:

- Por enquanto, só acompanhamos o caso pela mídia.

Mastella não respondeu à proposta de seu colega Tarso Genro de abrir investigação paralela sobre o caso. O curto-circuito entre a Justiça italiana e a brasileira levou a juíza do processo, em Roma, a incluir na lista dos 13 processados do Brasil pessoas que já morreram há anos.

- Os brasileiros nem sequer comunicaram o nome dos réus mortos, muitos deles famosos, como o general João Figueiredo. Na pior das hipóteses é um caso de implicância, ou desleixo e pouco caso das autoridades - disse um advogado da ONG Peacelink, que seguiu o inquérito aberto em 1998.

Pendências com Itália aumentam

Capaldo deve enviar ao ministério a lista definitiva das ordens de prisão já sabendo que a Constituição brasileira não permite a extradição de brasileiros. No Ministério da Justiça italiano, sabe-se que este caso aumenta o volume de pendências de extradição entre Brasil e Itália. Até agora, a maioria dos pedidos tratava de italianos condenados por crimes da máfia ou terrorismo.

A mídia italiana deu destaque às declarações de Tarso Genro. A Justiça italiana trabalhou nove anos para concluir as investigações, interrogando centenas de testemunhas na Itália ou nas sedes consulares nos cinco países envolvidos (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Bolívia).

Em São Paulo, o Grupo Tortura Nunca Mais comemorou a decisão da Justiça italiana.

- Foi um presente para a democracia do mundo todo - afirmou a presidente grupo, a jornalista Rose Nogueira. - Um ato de Natal para lembrar que isso, a tortura de Estado, nunca mais deve acontecer no mundo.

O Tortura Nunca Mais de São Paulo deverá enviar pedido ao governo brasileiro para que abra inquérito, com base na apuração feita pela Itália e nos mandados de prisão italianos.

COLABORARAM: Germano Oliveira e Tatiana Farah, de São Paulo