Título: O caminho do pós-Bali ao pós-Kioto
Autor: Rosa, Luiz Pinguelli
Fonte: O Globo, 04/01/2008, Opinião, p. 7

Passada a Conferência da ONU sobre Mudança do Clima realizada em Bali, no mês de dezembro, podemos dizer que seu resultado foi acima da expectativa, dado o pessimismo com que foi instalada. Entretanto, ficou abaixo do julgado necessário: pouca importância foi dada às advertências do IPCC relativas ao aumento da temperatura global da Terra e às mudanças climáticas, com risco para o futuro da Humanidade. Em 2012 terminará o prazo dado pelo Protocolo de Kioto para os países ricos e ex-comunistas reduzirem suas emissões, abaixo do valor que tinham em 1990. Esses países foram enquadrados no Anexo I da Convenção do Clima da ONU por terem alto consumo de energia per capita.

Em Bali, os Estados Unidos, na última hora, concordaram em assumir o compromisso de reduzir suas emissões, juntando-se após 2012 aos demais países desenvolvidos. Por sua vez, os países em desenvolvimento, especialmente China, Índia, Brasil e África do Sul, concordaram em tomar medidas para conter o aumento das emissões de maneira voluntária, porém "quantificáveis e verificáveis". Assim, entraram todos no mesmo barco para chegar em 2012. Mas, ao contrário do desejo de alguns, manteve-se o princípio formulado na Conferência do Rio, em 1992, da "responsabilidade comum, porém diferenciada" entre países do Anexo I e os países em desenvolvimento, que têm baixo consumo de energia per capita. Enquanto os primeiros se obrigam a reduzir emissões, os últimos deverão conter o aumento delas por "metas voluntárias, mas verificáveis". De certo modo, resgata a antiga proposta de contração e convergência para diminuir a distância entre o consumo de energia dos países ricos e o dos países em desenvolvimento.

Essas deliberações se consubstanciaram no chamado Road Map, que mapeará o caminho para se chegar aos novos compromissos que deverão vigorar a partir de 2012. Essa expressão foi cunhada com forte participação dos negociadores brasileiros em uma reunião prévia. Foi convidado Luiz Figueiredo, do Itamaraty, para presidir a comissão criada em Bali pela ONU para dar curso às decisões da Conferência. Isso reflete a importância do Brasil, ao lado da China, nas negociações.

Além dos negociadores oficiais do Itamaraty e dos ministérios do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia, merece destaque a intensa atividade de membros da sociedade civil brasileira presente em Bali, participando de diferentes seminários e reuniões paralelas às negociações. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas apresentou a proposta de um Plano de Ação para o Brasil, colocando a necessidade de metas para redução do desmatamento. Também realizou uma importante reunião em Bali com a presença da ministra Marina Silva e do embaixador Sérgio Serra, da qual participaram maciçamente representantes de ONGs, de universidades e de empresas.

Nessa reunião, diversas críticas dos participantes foram abertamente discutidas e algumas sugestões foram acolhidas pelos representantes do governo. Um ponto nela debatido foi o do desmatamento, maior responsável pelas emissões brasileiras, que enfrentou dificuldades nas negociações durante a conferência. O governo brasileiro defendia desde a conferência anterior, de Nairóbi, um mecanismo para compensar financeiramente os países que reduzirem seu desmatamento, como ocorreu no Brasil nos últimos três anos.

A Índia se colocou contra a posição do Brasil, o qual se recusou a deixar a questão da preservação da floresta a cargo do mercado internacional de carbono. Foi correta a posição brasileira, enfatizando a necessidade de políticas públicas dos governos nacionais contra o desmatamento.

Ao começar 2008, deve-se cobrar do governo a instalação da Comissão Interministerial, criada pelo presidente da República pouco antes de Bali, para elaborar o Plano de Ação sobre Mudança Climática. É fundamental o engajamento da sociedade brasileira, inclusive dos partidos políticos, para se construir o caminho que levará aos novos compromissos dos países após 2012, quando se inicia o período pós-Kioto.

LUIZ PINGUELLI ROSA é diretor da COPPE/UFRJ e secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.