Título: Sem garantia do céu
Autor: Albuquerque, Carlos
Fonte: O Globo, 11/01/2008, Ciência, p. 29

Chove nos próximos dias. Mas risco de seca grave permanece até março

Seca intensa no centro-sul do Brasil. O pesadelo do setor energético pode se tornar realidade até o fim do verão. Uma análise comparativa entre o ano de 2001, quando aconteceu o apagão, e o atual, feita pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe), mostra um cenário preocupante, embora ainda não crítico. Ele envolve o fenômeno La Niña, que altera a passagem de frentes frias pelo país, e a incerteza de chuvas para o mês de janeiro, tomado como limite para que o governo lance mão de um programa de racionamento.

De acordo com o meteorologista Marcelo Seluchi, chefe de Divisão de Operações do CPTEC, se não chover o suficiente daqui até março, a estiagem pode alcançar níveis parecidos com aqueles observados em 2001.

- A situação atual não é confortável porque o volume dos reservatórios está baixo, o mais baixo nos últimos quatro anos, e também porque arrastamos um déficit nas precipitações há vários meses - explica Seluchi.

Sobre as esperadas chuvas de janeiro, o meteorologista alerta que fazer previsões além do prazo de cinco dias significa um risco de erro maior.

- Janeiro costuma ser o mês mais chuvoso do ano, mas a previsão confiável fica dentro de um prazo de cinco a sete dias, em média. Há perda de confiabilidade para previsões mais longas - avisa.

Chuvas certas só por pouco tempo

Para os próximos dias, de acordo com Seluchi, há previsões de chuvas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, em áreas importantes para o abastecimento, já que concentram parte das nascentes que fornecem água para as principais hidrelétricas do país.

- Mas não são dois ou três dias que vão resolver o problema e sim o volume acumulado até março. O máximo que podemos dizer, baseado em previsões feitas em dezembro, é que a segunda metade de janeiro pode ser melhor que a primeira. Mas não é uma previsão muito confiável.

Para o meteorologista, dois fatores contribuíram para a atual situação. Um deles foi a estação seca de 2007, que foi muito extensa.

- Aquela estação seca foi muito prolongada, já que as chuvas que normalmente acabam em abril cessaram praticamente no mês de fevereiro em 2007 - conta Seluchi. - Além disso a estação chuvosa também começou algumas semanas mais tarde, totalizando muitos meses de estiagem, aproximadamente sete ou oito meses, quando o normal para a época seria de quatro a cinco meses.

Outro fator agravante, diz Seluchi, foi a estação chuvosa atual, que está sendo deficitária.

- A estação chuvosa, que se iniciou em novembro do ano passado, esta sendo, até o momento, deficitária, pois em dezembro e em janeiro choveu menos do que o usual, aproximadamente uns 150 mm a menos do que o normal para esta época.

O fenômeno climático global La Niña também estaria favorecendo a atual seca porque tem alterado a passagem das frentes frias pelo país.

- A La Niña faz com que as frentes frias passem mais rapidamente pelo Sul do país, não permanecendo ali o tempo suficiente para descarregar chuvas significativas - conta Seluchi. - O fenômeno traz para a região massas de ar mais secas, o que dificulta as precipitações, já que a umidade é essencial para termos chuva.