Título: Em Davos, artilharia apontada contra o Fed
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 24/01/2008, Economia, p. 25

AMEAÇA GLOBAL: Executivo do Morgan Stanley afirma que política do BC americano é perigosa e irresponsável

Condoleezza Rice tenta afastar temor de recessão, diz que EUA dirigem crescimento global e defende pacote de Bush

Deborah Berlinck*

DAVOS, Suíça. A abertura do Fórum Econômico Mundial de Davos, que reúne este ano 2.500 pessoas da elite empresarial e política do mundo, foi marcada ontem por um clima geral de nervosismo. Economistas das grandes instituições acusaram o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de ter fracassado em detectar a crise das hipotecas nos Estados Unidos, contribuindo para o agravamento da situação.

Já a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, demonstrou otimismo e, no discurso de abertura do Fórum, tentou dissipar temores sobre recessão:

- Nossa economia segue sendo o motor que dirige o crescimento econômico mundial. A economia dos EUA é resistente, sua estrutura é sólida e os fundamentos a longo prazo, saudáveis - disse, defendendo o pacote fiscal de Bush.

Roach diz que Fed age sem entender a crise

Dois co-presidentes do Fórum, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, mostraram-se preocupados com o cenário.

- É um momento de grande insegurança e desafio no mundo - afirmou Blair, evitando, no entanto, fazer críticas à reação do governo americano e do BC americano à crise.

O corte de 0,75 ponto na taxa de juros anunciado pelo Fed na terça-feira foi o grande alvo das críticas. Stephen Roach, do Morgan Stanley na Ásia, arrasou com o BC americano, afirmando que este acabou alimentando a bolha imobiliária dos EUA. Para ele, o Fed age sem entender a crise.

- O que me preocupa sobre o Fed é que, ao reduzir agressivamente (os juros) com base em informação nenhuma, a não ser o fato de que os mercados estão em dificuldades, está mandando a mensagem de que, mais uma vez, vai proteger os mercados - afirmou, destacando que a política do Fed é perigosa, temerária e irresponsável.

Joseph Stiglitz, Nobel de Economia em 2001, disse que a crise era previsível e que muitos sabiam que, com a renda dos americanos caindo, "não havia como continuar pagando hipotecas". Segundo ele, o problema do Fed e dos BCs em geral é que passaram muito tempo concentrados em combater a inflação e fracassaram em prever o estouro da bolha imobiliária.

- Estamos assistindo às conseqüências do que chamo de má administração da economia - disse, destacando que o Fed encorajou erros de política do governo americano, como incentivos fiscais. Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, também não poupou o Fed:

- O Fed errou. Não entendeu como os problemas imobiliários iriam afetar a economia. Acho que vamos ter recessão severa durante quatro trimestres.

O ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers disse que é preciso que haja algum tipo de esforço internacional para explicar a crise nas hipotecas de alto risco no EUA e propor soluções.

O ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, defendeu a tese do descolamento, isto é, de que uma crise nos EUA já não afeta mais o mundo como antigamente. Índia e China estão convencidos, como o Brasil, de que estão mais protegidos do impacto da crise americana.

Convocados para votar durante um debate em Davos, a maioria dos participantes (59%) concordou que os BCs perderam o foco e o controle, mas rejeitaram a idéia de um xerife.

(*) Com agências internacionais

É a primeira vez que o mundo está olhando para a possibilidade de uma recessão nos EUA com dois motores de crescimento, a China e a Índia. Nunca pode haver um descolamento total da economia americana.

Kamal Nath, ministro do Comércio da Índia

Estamos assistindo às conseqüências do que chamo de má administração da economia.

Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Columbia e Nobel de Economia de 2001