Título: Uma quadrilha de 1º escalão
Autor: Balbi, Aloysio; Costa, Ana Claudia
Fonte: O Globo, 25/01/2008, Rio, p. 10

CORRUPÇÃO

Quatro secretários de 3 municípios estão entre 19 presos por fraude de R$100 milhões.

Fraudes em compras nas prefeituras de pelo menos seis cidades do estado, que podem ter gerado um prejuízo de R$100 milhões em um ano, levaram a polícia e o Ministério Público a cumprir ontem 28 mandados de prisão e 60 de busca e apreensão. A operação, batizada de Uniforme Fantasma, levou para a cadeia quatro secretários municipais de três municípios fluminenses, além de empresários e advogados. Ao todo, 19 pessoas foram presas. A quadrilha tinha uma base de onde as fraudes eram realizadas: a prefeitura de Magé, cidade de 232 mil habitantes. Ao sair da prefeitura com material apreendido, os policiais foram aplaudidos pela população.

Segundo o MP e a Polícia Civil, a quadrilha pode ser dividida em quatro núcleos, que se relacionavam de forma indireta. Em todos os núcleos havia pelo menos alguma ramificação dentro da prefeitura de Magé, que desde 2005 é administrada pela ex-deputada estadual Núbia Cozzolino (PMDB). Entre as pessoas que tiveram prisão decretada, estão dois irmãos de Núbia - Núcia Cozzolino, secretária de Fazenda, e Charles Cozzolino, que já foi prefeito da cidade e hoje atua como assessor informal da prefeita. Na lista de acusados, está ainda um segurança da família, Alexandre da Cruz, o Peixe, suspeito também de negociar armas.

A prefeita não teve mandado de prisão expedido, mas sua situação se complicou bastante com o depoimento de uma das presas. Ela concordou em colaborar com as investigações e contou que trabalhava há um ano numa das empresas envolvidas no esquema, a MWP Consultoria. De acordo com a funcionária, Núbia ia pessoalmente e com freqüência ao escritório da empresa, no Centro do Rio, receber valores entre R$50 mil e R$100 mil. O prefeito de Aperibé, Paulo Fernando Dias, o Foguetinho (PMDB), também recebia recursos da empresa.

R$1 milhão em uniformes invisíveis

Mesmo sem ter mandado, Núbia foi vista deixando a cidade. Ao passar por uma barreira, desrespeitou os policiais. Antes, ela havia determinado a uma funcionária que levasse documentos à Comissão Permanente de Licitação. Rosilene Cardoso Ferreira Lima, funcionária do Departamento de Farmácia da Secretaria de Saúde de Magé, levou os documentos em seu carro, como sempre fazia. Ao ver a chegada da polícia, Núbia levou a chave do veículo e deixou-o trancado, para que os agentes não tivessem acesso à documentação. Para apreender o material, policiais chamaram um chaveiro para arrombar o carro.

As investigações começaram há dez meses, após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, informar à Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MP sobre movimentações suspeitas de uma microempresa. A operação foi concluída no último dia 9, mas não foi desencadeada antes porque o procurador Astério Pereira dos Santos era o responsável pelas investigações. Como ele é pré-candidato à vaga de procurador-geral, a idéia era dar visibilidade à ação exclusivamente do Ministério Público. Só depois que Astério foi exonerado, a operação foi autorizada pelo procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira.

Em poucos dias, a empresa teria movimentado mais de R$1 milhão de recursos recebidos da prefeitura de Magé. O dinheiro entrava nas contas e era sacado em espécie. A partir das investigações, os promotores descobriram que as empresas pertenciam a Patrícia Borret e José Carlos Benevenuto, o Carlinhos da Malha. O casal foi contratado para fornecer uniformes escolares que nunca chegaram ao município.

As investigações, que incluíram escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, concluíram que havia uma rede de empresários fazendo todo tipo de fraudes em licitações nas prefeituras de Magé, Rio Bonito, Angra dos Reis, Japeri e Paraíba do Sul. Segundo o procurador-geral Marfan Vieira, as licitações eram direcionadas para que um grupo de empresas vencesse. Essas firmas ou não entregavam os produtos ou entregavam artigos de qualidade inferior.

- Numa das gravações, um empresário dizia que eles eram iguais ao Centrum (um polivitamínico): forneciam de A a Z - disse o procurador.

Além desse grupo, outra quadrilha fazia fraudes em licitações. O esquema era posto em prática com ONGs. A chefe desse bando era a irmã da prefeita, Núcia Cozzolino. As ONGs eram contratadas sem licitação e também não realizavam os serviços determinados pelos contratos. Essas organizações atuavam em Magé e também em Santo Antônio de Pádua, sob a coordenação de Tarcísio Padilha, advogado e secretário de Administração da cidade.

Padilha, além de secretário, advogava para a prefeita Núbia. Em gravações obtidas pelo GLOBO, ele aparece em diálogos com a prefeita dizendo que está fazendo ingerências para que processos contra ela fiquem parados na Justiça. Em troca, pede à prefeita que resolva problemas para ele na prefeitura. Além da relação com as ONGs, Padilha coordenava um esquema de fraudes no fornecimento de equipamentos de radiologia. Entre os agentes desse esquema está o empresário André Wertonge Teixeira. Numa gravação, ele conversa com Bruzo Marzano, assessor de Núbia, sobre a venda de um tomógrafo por preços exorbitantes. Ele diz que todos podem ganhar dinheiro com o esquema:

- Este dinheiro não é de ninguém. É dinheiro público, da prefeitura - afirma o empresário na gravação.

A última parte das fraudes acontecia na folha de pagamento da Secretaria de Ação Social de Magé. Funcionários que não trabalhavam eram colocados na folha para receber salários, num esquema coordenado pela ex-secretária Renata Tuller, que foi presa em casa pela manhã. Até o fim da noite, Renata e mais 18 pessoas já tinham sido presas. Outras nove pessoas, entre elas Charles e Núcia, estão foragidas.

Durante o cumprimento dos mandados de busca, carros e pelo menos R$200 mil foram apreendidos. A Justiça determinou a prisão temporária de cinco dias para os acusados pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato e crime contra a lei de licitações. A prisão pode ser prorrogada por mais cinco dias.

Enquanto os policiais saíam da prefeitura, na praça central de Magé centenas de populares aplaudiam a operação. Alguns, mais exaltados, queriam um outro desfecho:

- Prendam a Núbia