Título: A insubordinação continua
Autor: Cássia, Cristiane de; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 31/01/2008, Rio, p. 14

Coronéis entregam cargos e 290 oficiais declaram o secretário Beltrame "persona non grata".

Um dia após a queda do comandante-geral da Polícia Militar, 45 coronéis e tenentes-coronéis desafiaram o governador Sérgio Cabral, entregando seus cargos de um total de 90 postos de comando. Um de cada vez, eles apresentaram pedido de exoneração no Quartel-General da corporação, tentando evitar, desta forma, que o ato fosse configurado como indisciplina prevista no regulamento militar. O objetivo dos oficiais é pressionar o governo e evitar a saída do coronel Ubiratan Ângelo, exonerado anteontem do Comando Geral por não ter punido os coronéis que lideram um movimento por melhores salários.

Dezenove coronéis pediram exoneração ontem, o que corresponde a mais de 30% dos oficiais dessa patente na ativa. Entre eles estão sete integrantes do Grupo dos Barbonos, que domingo promoveram uma passeata reivindicando aumento. Também entregaram seus cargos os comandantes de pelo menos 12 batalhões e do Policiamento da Baixada Fluminense, o coronel Roberto Penteado. À noite, em mais uma afronta ao governo, 290 oficiais da PM se reuniram na Associação dos Militares Estaduais. O grupo elaborou um documento considerando o secretário de Segurança persona non grata e decidiu espalhar 586 cruzes na Praia de Copacabana, amanhã, representando os PMs mortos em confronto desde 2004.

Ao final da reunião, o tenente-coronel Fernando Príncipe, que estava à frente do Batalhão Especial Prisional, informou que os 330 policiais presos na unidade decidiram entrar em greve de fome em solidariedade ao movimento por melhores salários. Com a exoneração de Ubiratan, os coronéis barbonos ocuparam o gabinete do comandante no início da manhã de ontem. À tarde, eles saíram do gabinete, às pressas, quando foi anunciada a posse do novo comandante, o coronel Gilson Pitta Lopes.

Comando Militar do Leste é consultado

A saída dos coronéis pode ser um problema na hora de ocupar os postos. O maior temor dos PMs tem sido a possibilidade de uma intervenção do Exército, no caso de faltarem nomes para os postos de comando. Uma consulta já foi feita ao Comando Militar do Leste (CML) para que tenentes-coronéis assumam os cargos. Assessores do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, negam. Mas um grupo de oficiais do Exército já estaria disposto a aceitar os cargos.

Os oficiais que solicitaram exoneração aguardam que os pedidos sejam aceitos pelo comando. Só depois, poderão deixar os cargos. Alguns já limparam as gavetas ontem, outros continuam trabalhando. O coronel Dario Cony, ex-comandante das Unidades Operacionais Especiais, integrante do Grupo dos Barbonos, diz que a população não será prejudicada:

- As rotinas serão mantidas internamente e nas ruas. Nossa tropa está consciente de suas missões e o policiamento será normal.

Mas a calmaria na tropa já não é tão garantida. Pela manhã, policiais do 18º BPM (Jacarepaguá) ameaçaram não deixar o quartel para trabalhar. Eles acabaram saindo para patrulhar as ruas a pé, alegando que os carros não estavam em bom estado e que os coletes à prova de balas estavam vencidos. À tarde, porém, as patrulhas já eram vistas nas ruas. Outras informações sobre ações semelhantes em pelo menos três quartéis - 5º BPM (Praça da Harmonia), 17º BPM (Ilha) e 39º BPM (Belford Roxo) - surgiram durante o dia de ontem. A Secretaria de Segurança, no entanto, negou.

Segundo os barbonos, cabos e soldados sempre quiseram fazer protestos por melhores salários às vésperas do carnaval. Mas os comandantes teriam sempre conseguido acalmar e controlar a tropa. Agora, mesmo em meio à crise, eles prometem continuar fazendo o papel de mediadores. A orientação dada à tropa é de que o trabalho continue normalmente.

Horas antes de o coronel Gilson Pitta Lopes tomar posse como novo comandante, alguns barbonos não queriam acreditar que ele aceitara o cargo. Ele foi um dos nove signatários da primeira Carta dos Barbonos, em julho passado, com reivindicações. No documento, os coronéis se comprometiam a não assumir o cargo de comandante em quatro anos. Ontem, os barbonos distribuíram aos jornalistas cópias da carta com a assinatura de Pitta. Apesar disso, os coronéis evitaram chamar o oficial de traidor.

- Não considero traição. É um direito dele aceitar. Se ele mudou o pensamento, não posso chamar de traição - diz Cony.

Perguntado sobre as declarações de Beltrame de que a PM estava vivendo um momento de faxina, Cony respondeu com ironia:

- Quem faz faxina nas unidades da PM são funcionários contratados ou policiais licenciados.

Na avaliação do cientista político e integrante do Laboratório de Análise da Violência da Uerj João Trajano Sento-Sé, a decisão dos militares de pôr cargos à disposição radicaliza a crise. Segundo ele, a curto prazo, a tendência é de que nem o coronel Ubiratan Ângelo retorne ao cargo, como exigem os oficiais, nem Beltrame seja exonerado.

- Acho que a crise se radicaliza, mas os oficiais precisam manter alguma margem de negociação.

O presidente do Instituto Giovanni Falcone, Walter Maierovitch, acredita que o governador Sérgio Cabral está diante de um impasse que tem conotação política:

- Os oficiais aproveitam a proximidade do carnaval para pressionar o governo. Isso me parece claro. Mas, se o governo recuar e exonerar o secretário de Segurança, aí será muito grave, será um absurdo. A PM passará a ser uma instituição autônoma.

Um aliado político do governador, que prefere o anonimato, considerou uma afronta dos oficiais. Segundo ele, a decisão de entregar os cargos pode antecipar um movimento que Cabral vem analisando: rejuvenescer o comando de vários batalhões.

COLABORARAM Elenilce Bottari, Fábio Vasconcellos, Natanael Damasceno e Marco Antônio Martins (do Extra)