Título: Chávez acusado de financiar Farc
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Fonte: O Globo, 04/03/2008, O Mundo, p. 23

Colômbia denuncia vínculos do Equador com guerrilha e leva Correa a romper relações com Bogotá

Em acusações que aumentam ainda mais a tensão entre os governos de Colômbia, Venezuela e Equador, autoridades colombianas afirmaram ontem que têm provas de que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, financiou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com o repasse de US$300 milhões. Bogotá disse ainda ter gravações de ligações comprometedoras entre Chávez e o líder fundador da guerrilha, Manuel Marulanda, e disparou contra o governo equatoriano, afirmando ter provas de que assessores do presidente Rafael Correa têm contato direto com líderes guerrilheiros. As afirmações, segundo o governo colombiano, são baseadas em documentos encontrados no acampamento onde estava o líder guerrilheiro Raúl Reyes, morto numa operação militar no sábado em território equatoriano e que resultou numa das piores crises diplomáticas em décadas na América do Sul. Os governos de Quito e Caracas negaram as acusações e, numa perigosa escalada política e militar, Quito rompeu ontem relações com Bogotá e cerca de 3.200 soldados equatorianos foram transferidos para a fronteira com a Colômbia.

- Os documentos encontrados no acampamento mostram claramente que Hugo Chávez financia as Farc. E os telefonemas só reforçam isso. Em uma das ligações (para Marulanda) Chávez diz o seguinte: "nós sempre estaremos atentos em caso de agressão gringa para defender com nossos modestos conhecimentos a revolução bolivariana da Venezuela" - afirmou o general Oscar Naranjo, diretor da polícia colombiana.

Naranjo também afirma que entre os documentos estão algumas correspondências e, numa delas, Reyes destaca o agradecimento de Chávez pela ajuda recebida das Farc (US$50 mil) quando estava preso, em 1992, após tentar um golpe de Estado.

Denúncias na ONU e na OEA

Apesar de ter pedido desculpas formais no domingo ao Equador, o governo colombiano tentou ontem justificar a ação militar de sábado, afirmando que não feriu a soberania equatoriana e que apenas "usou um dispositivo legal da ONU para combater o terrorismo". Bogotá disse que vai acusar Venezuela e Equador na ONU e na Organização dos Estados Americanos (OEA) de envolvimento com as Farc. A OEA anunciou para hoje uma reunião de emergência para discutir a crise.

Ao menos 17 guerrilheiros das Farc e um soldado colombiano morreram no ataque do Exército da Colômbia em território equatoriano, numa operação apontada por analistas como semelhante a que matou Negro Acácio, outro líder das Farc, no ano passado. As acusações de Bogotá contra Equador e Venezuela geraram indignação entre os colombianos. O jornal "El Tiempo" em seu editorial ressaltou que enquanto o presidente Alvaro Uribe presidia uma cerimônia fúnebre em homenagem ao soldado colombiano morto, Chávez decretava um minuto de silêncio na Venezuela em homenagem a Raúl Reyes, que definiu como "um revolucionário conseqüente e vítima de assassinato covarde".

No domingo, Chávez chegou a dizer que a crise é grave e poderia resultar numa guerra na América do Sul. Ontem, no entanto, o encarregado de comentar as acusações colombianas contra ele foi o vice-presidente Ramón Carrizales.

- Estamos acostumados a mentiras do governo colombiano - disse, ao negar o repasse dos US$300 milhões às Farc e ao dizer que a Venezuela também está reforçando a segurança de sua fronteira com a Colômbia.

No fim da tarde, o governo venezuelano expulsou o embaixador colombiano no país. Já a oposição venezuelana conclamou a população ontem a "trabalhar pela paz". Segundo a Fedcámaras, maior entidade empresarial da Venezuela, um conflito com a Colômbia poderia "tornar dramática" a grave crise de abastecimento pela qual passa o país. Cerca de 30% dos alimentos consumidos pelos venezuelanos são produzidos na Colômbia.

No Equador, que também rejeitou as acusações de envolvimento com a guerrilha, o clima é de forte tensão depois do envio de 3.200 homens para se juntarem aos 11 mil que já fazem a segurança na fronteira com a Colômbia. Em Quito, manifestantes ficaram durante todo o dia na porta da embaixada colombiana para protestar. O presidente Rafael Correa convocou o Conselho de Segurança Nacional para discutir a crise e voltou a chamar o governo colombiano de mentiroso:

- É extremamente grave não só para o Equador, mas para a região, se quiserem impor aqui uma lógica de Oriente Médio. Isso é rejeitado por todos os países da região. Trata-se, portanto, de uma crise multilateral.

Apesar das mobilizações de Equador e Venezuela, a Colômbia anunciou que não enviará reforço de tropas para as fronteiras.

Mais tarde, Correa disse que o ataque da Colômbia e a morte de Reyes frustraram um acordo para libertar, no Equador, 12 reféns das Farc.

- Todo contato com a guerrilha foi feito por motivos humanitários e com outros países, como a França - disse Correa em cadeia de rádio e TV. - Lamentamos informá-los que as conversações estavam bastantes avançadas para libertar no Equador 12 reféns, entre eles, (a ex-candidata à Presidência da Colômbia) Ingrid Betancourt.

A morte de Reyes é para muitos analistas um revés para a França, que tinha o guerrilheiro como um contato para negociar a libertação de Ingrid. Ontem, ex-reféns da guerrilha e parentes de seqüestrados disseram temer que a crise interrompa as negociações para a libertação dos reféns.

- Essa escalada militar deixa os reféns em situação ainda mais dramática. Temo por suas vidas - disse a ex-congressista Gloria Polanco.