Título: O tráfico das pedras do mar
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 05/05/2009, Brasil, p. 08

Relatórios da Interpol confirmam investigação da PF contra esquema de contrabando de recifes de corais

Uma análise laboratorial feita a mais de 7 mil km de distância, do outro lado do Atlântico Sul, é um dos elementos da Polícia Federal para fechar a investigação sobre o tráfico internacional de corais. Trata-se de parte do relatório da Interpol com o estudo produzido pelo holandês Bert Hoeksema, um especialista em biodiversidade marinha. Ao analisar o conteúdo de 26 caixas apreendidas na empresa de aquariofilia (de material para criação de peixes em aquários) Jong Marine Life ¿ localizada no pequeno distrito de Lingewaal, na Holanda ¿, o pesquisador confirmou a existência de fragmentos de recifes coletados no litoral do Nordeste do Brasil. Tal extração é proibida pela Lei 9.605/98.

O estudo de Hoeksema, que pode parecer um mero detalhe científico, é uma vitória da equipe de investigadores brasileiros. Pela primeira vez foi possível mapear um crime cometido por uma organização criminosa, que, em vez de metralhadoras, usava arpões, máscaras de mergulho e nadadeiras. O relatório da Interpol ¿ à qual está vinculada a área internacional da Polícia Federal ¿ é a segunda e última parte da Operação Nautilus, deflagrada em abril do ano passado em 11 estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, e em nove países.

A Polícia Federal prendeu 15 pessoas e cumpriu 64 mandados de busca e apreensão. Ações paralelas ocorreram também na Alemanha, Holanda, Dinamarca, França, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Argentina. ¿A operação teve dois objetivos: reprimir a quadrilha, que há mais de 10 anos atuava na costa nordestina, e educar a população que compra recifes de corais, mostrando que o comércio é criminoso¿, diz a delegada Adriana Vasconcelos.

Aprendizado Os próprios policiais precisaram receber treinamento especial para aprender sobre a fauna marinha e atuar contra a quadrilha de traficantes de fragmentos de recifes. Assim, tiveram a colaboração técnica de uma equipe do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nos laboratórios do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos do Litoral Nordeste (Cepene/ICMBio), os federais descobriram a diferença entre corais, recifes e algas calcárias.

A operação da PF desbaratou dois grupos. A primeira quadrilha ¿ que teve o ciclo fechado com os relatórios da Interpol ¿ abastecia o mercado internacional e era comandada por uma empresa no Rio de Janeiro. A firma fluminense tinha representantes em Recife, onde mergulhadores eram contratados. O segundo grupo era formado por empresas sediadas em Pernambuco e na Bahia para abastecer os estados do Rio, São Paulo, Minas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grandes do Sul, além do Distrito Federal.

Entre 2004 e 2008, foram comercializados 155,5 mil kg de fragmentos de corais. Os mergulhadores chegavam a vender o quilo da ¿rocha viva¿, como são conhecidos os corais, por R$ 3,50. Os donos das lojas na Europa recebiam R$ 60 do consumidor final. Um negócio lucrativo para os criminosos e devastador para o ecossistema da costa do Nordeste brasileiro.