Título: Aperto seletivo no crédito
Autor: Beck, Martha; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 22/03/2008, Economia, p. 23

AMEAÇA GLOBAL

Fazenda quer aplicar medidas em setores específicos e exclui financiamento da casa própria

As medidas em estudo no governo para frear a expansão do crédito no Brasil e evitar uma elevação das taxas de juros para conter a inflação - antecipadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, à coluna de Merval Pereira, publicada ontem no GLOBO - serão aplicadas caso a caso. A compra da casa própria, por exemplo, será preservada das restrições, segundo fontes do Ministério da Fazenda. A idéia é aumentar as exigências dos bancos para os financiamentos de longo prazo apenas em setores em que a demanda aquecida esteja pressionando mais fortemente os índices de preços.

- Não será algo generalizado. O governo não quer frear o crescimento, mas colocar uma pequena trava no consumo das famílias - disse a fonte.

Como já adiantou Mantega, o setor automotivo deverá ser alvo dessas medidas. As concessionárias estão vendendo veículos parcelados em até 99 meses. A idéia do ministro seria, por exemplo, encontrar um mecanismo de tornar inviáveis financiamentos com prazos acima de 36 meses.

Já o crédito para a compra da casa própria será preservado. O setor de habitação é considerado essencial para o crescimento econômico, e o governo não pretende reduzir prazos de financiamento - em geral, de 15 a 25 anos -, pois o segmento não pressiona preços. O próprio ministério estuda medidas que estimulem a construção civil e a venda de imóveis.

Mantega conversará com siderúrgicas

Segundo a fonte, Mantega também teme que uma queda na oferta de matérias-primas, em um cenário de forte demanda, pressione a inflação e leve o Banco Central (BC) a subir juros. Por isso, o ministro conversará na próxima semana com representantes do setor siderúrgico.

- A idéia é incentivar investimentos no setor, especialmente para que não haja problemas de oferta em 2009 e 2010 - disse a fonte.

Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, a idéia de Mantega é positiva desde que seja aplicada com cautela.

- No setor de alimentos, por exemplo, que tem contribuído para a inflação ficar mais alta, não adianta restringir crédito - disse ele, acrescentando: - Se o governo identificar pressões, deve agir de forma pontual e, aí sim, tomar medidas para conter o crédito. Isso é sempre um caminho melhor do que aumentar juros. Eu apóio a medida com cautela.

Os economistas foram quase unânimes em aprovar as medidas em estudo para diminuir o consumo. O ex-diretor do BC e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, lembra que, no passado, o BC já impôs limites para conter crescimento descontrolado do consumo:

- Na década de 70, exigia-se uma entrada mínima de 20%, por exemplo, e o prazo não podia passar de 36 meses. Essas normas só foram abandonadas nos anos 90 porque não havia crédito de longo prazo.

Segundo ele, foi justamente a falta de regulação o principal motivo da crise do subprime (empréstimos imobiliários de alto risco) nos EUA. Para Freitas, o problema no Brasil é que os bancos estão financiando a compra de bens de consumo, como eletrodomésticos e automóveis, que, muitas vezes, não têm vida útil tão longa quanto o prazo de pagamento das prestações. Mas Freitas não descarta a adoção de ferramentas para desacelerar, também, o crédito imobiliário:

- O problema é a velocidade com que o crédito está crescendo. Hoje, já falta de cimento para o setor de construção, o que acende um alerta. Acho que, eventualmente, o governo poderá impor a exigência de uma entrada no financiamento imobiliário, para evitar exacerbações.

O diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni, também vê como positiva a intenção do governo.

- A combinação de contenção de crédito com aperto fiscal é muito mais eficiente que a elevação de juros pelo BC, que teria um efeito adicional na desvalorização do dólar - avalia o economista, sugerindo que a meta de superávit primário suba de 3,8% para 4,5%. - Seria uma ajuste fiscal fácil de se implementar, já que a arrecadação está muito forte, com crescimento acima de 10% em termos reais.

Cortar gasto público seria benéfico

O diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, afirma que o momento é de cautela, diante das incertezas globais:

- Não tenho medo do crescimento. O Brasil cresceu 5,4% no ano passado, com inflação moderada. Ainda não sabemos como serão os efeitos da crise americana, nem mesmo nos Estados Unidos. A preocupação maior será com 2009. O momento é de cautela, não de tomar medidas.

Já o professor da PUC Luiz Roberto Cunha considera as medidas necessárias:

- Financiar carro em 72 meses é maluquice, bem como dividir a venda de ferro elétrico em 24 meses. Medidas para conter o crédito são bem-vindas.

O diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luiz Guilherme Schymura, também aprova qualquer intervenção para reduzir o volume de crédito:

- Os próprios empresários, nas sondagens, mostram falta de condições de atender à demanda. O corte nos gastos públicos também é fundamental. É inevitável que a inflação comece a subir.

Há uma semana, o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Beluzzo já defendia a restrição ao crédito como opção à alta dos juros.

- Se é verdade que há problema de aquecimento excessivo, não pode deixar sair do controle -- disse ele, lembrando a "experiência terrível" do Plano Cruzado, quando a equipe econômica que integrava demorou a agir e acabou não mais conseguindo controlar o consumo aquecido.

Segundo Beluzzo, a China é um exemplo de país que recorre com freqüência à restrição de crédito. Elevar os juros, como cogita o BC, seria um instrumento poderoso demais neste momento, diz ele, e atingiria os investimentos.