Título: Indústria murchou
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 07/05/2009, Economia, p. 21

Quebra do ritmo dos investimentos ofusca o brilho da retomada da produção industrial

O mais que frustrante resultado da produção industrial em março, conforme a pesquisa mensal do IBGE, reforçou o pessimismo entre analistas e empresários, que deverá ampliar-se com o anúncio do desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre.

Na agenda do IBGE, o PIB trimestral será divulgado em 9 de junho. Não há mais dúvidas de que virá outra retração, que vai acumular-se à queda de 3,6% no 4º trimestre em relação ao 3º. Na simulação da consultoria LCA, o PIB de janeiro a março deve ter recuado 1,5% a 2% sobre igual trimestre de 2008, o que corresponde à queda de 0,5% a 1% sobre o 4º trimestre. Dois trimestres de retração do PIB configuram, segundo a convenção, um quadro de recessão técnica.

Os números não desmentem os motivos de baixo astral e apreensão, sobretudo pela constatação de que a produção de bens de capital ¿ o conjunto de máquinas e equipamentos que informa, juntamente com os dados da construção civil, a taxa de investimentos do país ¿ continuou desabando em março, 6,3% em relação a fevereiro.

O segmento de bens de capital foi o único a encolher no mês. Na comparação trimestral, caiu 20,8% sobre o mesmo período de 2008, quebrando uma série de 22 trimestres consecutivos em alta.

Boa parte do dinamismo da economia até meados de 2008 refletia a retomada dos investimentos empresariais ¿ depois de quase trinta anos andando de lado, estagnados em torno de pífios 17% do PIB ¿, mais que o aumento do consumo. O aumento contínuo da capacidade de produção e a expectativa de sua continuidade afastavam os temores relativos às barreiras estruturais para o crescimento da economia.

Esse processo virtuoso por ora está suspenso, fazendo da retomada da produção industrial corrente um dado de menor brilho. Passível até de preocupação, na visão conservadora do Banco Central, apesar de se dar a um ritmo tímido, parte movida aos incentivos anticrise beneficiando produtos como carros e eletrodomésticos.

Na média geral, a produção industrial consolidada cresceu 0,7% em março sobre fevereiro, terceiro aumento mensal consecutivo. Sobre dezembro, a indústria já acumula expansão de 4,8%, mas ainda muito aquém do necessário para reaver a contração de 20,1% entre outubro e dezembro em relação a setembro, o início da grande crise global.

O óbice dos estoques O nível da produção está se recuperando, mas mais lentamente que o previsto, devido aos elevados estoques com que a indústria vinha trabalhando até o início da crise. Enquanto não atingir um patamar adequado, os estoques vão retardar a retomada. Mas ela deverá vir a um ritmo muito menor que antes da crise, e essa perspectiva é um dos fatores a segurar os projetos de aumento do nível de produção.

Setores com maior dependência de exportações sofrerão mais que os voltados ao mercado doméstico, já que a recessão lá fora está mais severa que aqui. No agregado, a economia global ficou menor com o fim da ficção da riqueza financeira, dificilmente compensada com a ação fiscal dos governos e o relaxamento monetário.

Longo gap de demanda O gap de demanda tende a ser duradouro, deixando muita capacidade ociosa no mundo. Setores inteiros, como o automobilístico, vão ter fábricas fechadas, adequando-se ao novo cenário de consumo perdido pelo desbaratamento do crédito inflado pela valorização artificial de ativos financeiros e reais. No Brasil tal sequela da crise será menor, já que o problema da indústria vis-à-vis a demanda há muito tempo é de inadequação da oferta em situação de pleno emprego e de exportações aquecidas, como atestam o crescimento das importações e os déficits em contas correntes até setembro.

A ¿nova normalidade¿ A crise vai bater é nos projetos voltados à exportação. Há muitas dúvidas entre sustá-los ou reduzir a meta de produção. Mas como os investimentos também geram aumento da renda corrente, no agregado toda a economia vai sofrer. Só não se sabe em que intensidade.

O problema não é simples. Não é de falta de crédito, que é farto e barato no BNDES para investimento. Redução drástica de impostos sobre bens de capital e a depreciação acelerada de equipamentos, conforme sugestão do Iedi, ajuda. Mas é fundamental maior clareza sobre o que a McKinsey batizou de ¿nova normalidade¿, o mundo pós-bolha, com menor alavancagem de dívidas e maior dirigismo estatal.

Os perdedores nesta nova fase são muitos, implicando ajustes mais complexos que o de saneamento dos bancos endividados.

Futuro está em xeque A economia brasileira, neste contexto, está melhor que o resto do mundo em relação à retomada da base produtiva instalada, e com seu futuro, dado pelos investimentos em ampliação, em xeque. Variações do investimento, segundo Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Iedi, ¿têm poder de determinar à frente os aumentos de emprego e renda, razão pela qual os indicadores negativos de bens de capital devem ser tomados com extrema preocupação¿. É agora que se percebe tanto a falta das reformas econômicas indutoras do investimento como de um planejamento nacional de longo prazo a orientar o empresariado. O tempo passou e pouco se fez. Agora, só em 2011, e olhe lá.